Vivemos tempos onde as palavras guerra e conflito ocupam mais espaço nas notícias que as palavras Paz e Fraternidade. No mundo os conflitos armados aumentam e intensificam-se, enquanto que por cá os tumultos sociais crescem e atingem proporções a que não estamos habituados neste nosso pacato país.

Os protestos a que temos assistido nos últimos dias são reflexo dos desafios profundos que ameaçam a nossa sociedade, mas esses protestos podem também ser a oportunidade para redefinir a forma como nos relacionamos uns com os outros, no bairro e no mundo, e de olhar para a paz como algo que começa no coração de cada comunidade. Neste contexto, a filosofia Ubuntu, e o princípio “eu sou porque tu és”, oferece-nos uma visão fundamental para a transformação social.

Nos dias 25 e 26 de outubro, o IPAV e a Câmara Municipal de Gaia, promoveram o Ubuntu Fest Gaia’24, sob o lema “A Paz começa no Bairro”, porque importa recordar que a Paz começa nas interações do dia-a-dia. Este evento insere-se nos programas Ubuntu no Bairro (do IPAV) e Meu Bairro Minha Rua (do município de Gaia), que trabalham o capital social dos bairros, e as políticas de proximidade, reforçando os laços relacionais entre as pessoas e organizações que compõem uma comunidade. Um trabalho que tem por base os princípios Ubuntu, que destacam a importância de reconhecermos a interdependência que nos liga enquanto humanos.

Os tumultos dos últimos dias em Portugal, longe de ser um problema isolado, espelham conflitos que se manifestam a nível global, e que normalmente têm origem em comunidades marginalizadas ou excluídas. A história mostra-nos que é possível um ativismo eficaz que não passe pela violência. Martin Luther King e Mahatma Gandhi são dois exemplos maiores de líderes que, com coragem e integridade, praticaram a liderança servidora e a resistência não violenta. Não se trata de passividade ou resignação, mas sim de uma forma ativa de transformação social que parte da compaixão e da solidariedade.

O Ubuntu Fest, ao reunir pessoas comprometidas com estes ideais, oferece-nos uma visão inspiradora. O que acontece num bairro de Gaia, ou de Lisboa, pode servir de exemplo para todo o país e até para além-fronteiras. O mundo precisa urgentemente de exemplos de transformação pacífica, e Portugal tem a oportunidade de mostrar como a coragem cívica e não violenta é a resposta mais eficaz e sustentável. Precisamos de lideranças que, como Gandhi e King, reconheçam que a verdadeira mudança começa na forma como tratamos os nossos vizinhos.

A paz não é um dado adquirido, pelo contrário, a paz requer uma manutenção cuidada e dedicada. A paz deve ser cultivada diariamente, em todas as relações e interações. E o bairro, esse espaço próximo e concreto, é o lugar ideal para começar. Se queremos que o mundo seja mais justo e pacífico, temos de começar por tornar os nossos bairros lugares de encontro, diálogo e cooperação. Que a energia destes protestos, em vez de se perder no confronto, possa ser canalizada para uma transformação positiva que reconhece que a paz começa, de facto, no bairro.

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