Chegou-me às mãos um texto publicado por Vital Moreira, que procura justificar oito anos da governação do Partido Socialista e ataca o Ministério Público (MP), o que para um jurista brilhante é obra. Assim, porque sou há muito um defensor da Justiça e do Ministério Público, não posso deixar de denunciar os objetivos da máquina de propaganda em curso e voltar a dar a conhecer a minha posição na presente crise política. Também, porque a corrupção domina a política portuguesa, o que, com todas as suas insuficiências, o MP é ainda a instituição que nos pode dar a conhecer o que se passa no submundo da política partidária. Também porque, infelizmente, há muitos anos que existem detractores do MP e advogados que defendem os corruptos, atacando o funcionamento da Justiça na comunicação social, enquanto o PS e António Costa deixam que a Justiça, como aliás a Saúde, a Educação e a Administração Pública, vivam à míngua de organização e de modernização.
No passado li alguns livros policiais e aprendi que para a descoberta da verdade se começa por responder à pergunta sobre a quem aproveita o crime. Ora durante a semana que passou, desde o início da crise, a resposta é óbvia: o PS tem dominado a comunicação social, as sondagens são favoráveis ao PS, as salas do partido estão cheias de novos e velhos candidatos ao pódio e o governo poderá continuar a influenciar os resultados eleitorais até Março, enquanto a bem oleada máquina de propaganda continua a funcionar em pleno. Ou seja, a crise beneficia principalmente o PS e, naturalmente, o Chega, que é o partido preferido do PS para evitar uma maioria do centro direito nas próximas eleições.
Mas há mais, logo que chegou ao poder em 2015 uma das primeiras decisões de António Costa foi substituir Joana Marques Vidal no MP, senhora que tinha tido uma notável influência na reorganização e no prestígio da instituição, papel que era então geralmente reconhecido por aqueles que se afadigam a defender o prestígio das instituições democráticas, o que sabemos não comporta toda a gente, como temos visto. Seguiu-se que o PS, António Costa e o Presidente da República, colocaram no MP a actual Procuradora e com os resultados conhecidos, resultados naturais diga-se, se pensarmos na qualidade dos dirigentes escolhidos por António Costa ao longo dos últimos oito anos, desde João Galamba a Eduardo Cabrita, ou toda uma linhagem de gente a contas com a justiça, seja no caso das golas, do Ministério da Defesa, das diversas autarquias e em muitos outros acontecimentos, com particular relevância na escolha dos dois chefes de gabinete do primeiro-ministro, os quais trabalharam na sala ao lado. Nisso António Costa pode ter direito à medalha do mais distraído dirigente político da moderna história portuguesa.
Vejamos agora o que tanto aflige Vital Moreira. Desde o dia do início da crise, escrevi que as acusações do MP seriam prematuras, pela simples razão de que em casos como o lítio, o hidrogénio e, acidentalmente, a central de dados, o modelo de negócio é diferente, porque a distribuição dos lucros da corrupção só é feita no final, quando as empresas passam dos empreendedores ocasionais para os investidores que têm o dinheiro necessário, dinheiro que os actuais empreendedores não possuem. António Costa disse sem razão que esta empresa de dados seria o maior investimento desde a AutoEuropa, mas para quem consultar o Expresso desta semana pode verificar que os actuais empreendedores conseguiram, a custo e de diversas fontes, apenas cerca de oitenta milhões de euros, o que não dá para mandar cantar um cego, o que pode ser o caso do nosso distraído primeiro-ministro.
Aliás, no caso do licenciamento do lítio no Norte, há muito em debate, o negócio foi iniciado por dois ilustres socialistas que criaram a empresa num dia a tempo de ser licenciada no dia seguinte, mas como agora a empresa já passou para outros, suponho que o pagamento já poderá ter ocorrido. Não sei, mas talvez o MP saiba. Essa foi uma história muito debatida num canal de televisão que iniciou o conhecimento público do agora famoso João Galamba. Ou seja, este caso pode envolver um modelo de corrupção, se os leitores preferirem de tráfico de influência, que permite não haver, para já, pagamentos conhecidos de acordo com o modelo de negócio existente nesta fase. Suponho que o juiz de instrução deste caso “Influencer” não terá compreendido toda a dimensão do problema, mas António Costa tem a obrigação de compreender, o contrário seria, mais uma vez, uma incorrigível distração.
Voltando à questão inicial sobre a quem aproveita o crime, não há dúvida que aproveita a todos os advogados de defesa, que podem permanecer nas televisões horas a fio a tentar demonstrar que os seus clientes são os anjinhos do costume, que o MP é um bando de malfeitores ignorantes e que os governos devem colocar os magistrados do MP na devida ordem. Bastante mais complicado será pensar que a presente crise pode ter sido pensada e criada por António Costa e pela sua equipa de estratégia comunicacional. Esta é a verdadeira questão, saber se o pessoal herdado de José Sócrates, que tão bem conseguiu enganar os portugueses durante anos, poderá agora ter magicado esta brilhante solução para o PS, depois de esgotadas todas as outras alternativas?
Não sei, mas a minha já longa experiência de vida leva-me a não acreditar em acasos e a tentar analisar o presente para poder prever o futuro, o que tenho feito ao longo dos últimos quarenta anos com razoável sucesso. Em qualquer caso, nada justifica os ataques feitos à justiça e ao MP, que são, nas actuais circunstâncias, ataques à própria democracia, desde logo porque a possível melhoria do funcionamento da Justiça depende dos governos, impossível com este governo de António Costa, seja porque não tem nisso interesse, seja porque não sabe. Se não, veja-se o que aconteceu à economia, em particular à indústria, à saúde, à educação e aos serviços públicos durante os últimos oito anos.
Finalmente, quero acreditar que os ataques em curso dirigidos ao MP sejam, em alguns casos, ataques inocentes ou apenas ignorantes. Todavia, goste-se ou não, são música celestial para os apoiantes do Chega e para todos aqueles que para governar a vidinha podem permitir-se quase tudo no país do socialismo.