A semana de 4 dias, quando, inicialmente, surgiu no debate político e social, afigurava-se uma miragem. Pensar nesta medida num país como Portugal, com as suas características laborais e económicas, seria praticamente impensável. E eis senão que o projeto-piloto realizado no ano passado com 1000 trabalhadores e dezenas de empresas vem contestar – e, esperemos mesmo, deitar por terra – mitos antigos acerca do modo como trabalhamos e nos comportamos enquanto sociedade.

Uma primeira narrativa que agora se pode começar a desconstruir é a de que os portugueses são preguiçosos e/ou desorganizados, o que os torna, também, pouco produtivos. Afinal, se mais de 80% das empresas decidiram manter esta organização do trabalho dos funcionários em quatro dias, significa que a produtividade nestas entidades aumentou ou, pelo menos, não diminuiu com a retirada de 8 horas de trabalho. Ou seja, os portugueses conseguem empreender esforços e atingir objetivos melhor do que se pensava (na cabeça dos próprios portugueses).

Por consequência, os dados demonstram que labutar muito não equivale, necessariamente, a trabalhar melhor. A economia, por exemplo, é uma das áreas que já nos tinham ensinado isso, porém, foi continuadamente ignorada pelos empregadores. A Lei dos Rendimentos Decrescentes afirma que os aumentos idênticos na utilização de um fator de produção (neste caso, o fator trabalho, portanto, a força e a mente dos trabalhadores), a partir de um determinado volume de produção, conduzem a acréscimos de produção cada vez menores, mantendo tudo o resto constante. Por outras palavras, após um número de horas contínuas de exercício de funções, os trabalhadores vão produzindo cada vez menos, levando a que, na verdade, não seja compensatório mantê-los a laborar. Esta é uma realidade empírica amplamente observada, mas amiúde desconsiderada, numa lógica mecanicista de interpretar os assalariados enquanto máquinas sem cansaço, emoções ou interesses além-empresa.

Parece que, então, os procedimentos, as empreitadas ou os cuidados não ficam comprometidos. Os funcionários podem ficar com mais um dia para participar de modo mais profundo na sua dinâmica familiar ou para tratar de processos burocráticos mais urgentes, o que possibilita um combate maior ao stress e à ansiedade e uma promoção maior da saúde mental e da qualidade de vida. Os mais jovens podem, por exemplo, investir em formações complementares que proporcionem uma maior qualificação teórica, prática e relacional. Todos estes indivíduos passam, destarte, a ser vistos como seres humanos num sentido holístico, isto é, como trabalhadores, pais ou mães, filhos, consumidores e cidadãos.

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Além deste aspeto, o presente projeto-piloto em questão veio contrariar a ideia de que, de alguma maneira, a semana de 4 dias traria maiores vantagens às classes sociais mais elevadas. Na verdade, são as pessoas do sexo feminino e os sujeitos com menos qualificações e salários mais baixos quem sai beneficiado com esta medida: as primeiras, porque numa sociedade que ainda obriga muitas mulheres a efetuarem uma dupla jornada de trabalho, com a realização de variadas tarefas domésticas mal ou não partilhadas, conseguem obter um maior descanso e uma maior recuperação corpórea e psíquica; os segundos, pois é nos indivíduos mais pobres que se verifica o exercício de tarefas menos passíveis de readaptação no cosmos digital, bem como a correria e a inquietação constantes para conseguirem chegar a todo o lado a tempo e pagar todas as contas.

Numa sociedade que se preze e valorize o seu caráter humanista, são os mais desfavorecidos, os que atravessam maiores desigualdades, quem devemos proteger mais e em primeiro lugar. Por isso, uma outra questão se coloca: e o que acontece ao desemprego? Pois bem, a proposta da semana de 4 dias vem também trazer vantagens a este nível tanto para empregadores como para empregados: se em muitos casos a produtividade incrementa, tal permitirá à entidade contratar mais mão de obra para continuar com os horários de funcionamento previstos; por sua vez, existirá a ocupação de postos de trabalho por mais pessoas, retirando-as da “inatividade”, que assim são convocadas com o intuito de aumentar ainda mais a produção e as vantagens que dela se podem extrair.

Como se vê, o citado projeto-piloto vem demonstrar que trabalhar um dia a menos pode revitalizar uma série de dimensões diferentes: melhora a saúde dos funcionários; permite um equilíbrio saudável entre emprego e vida pessoal; contribui para uma maior pujança da vida económica, com a criação de mais emprego. Tudo isto desemboca numa maior satisfação por parte dos subordinados, porém, também permite aos superiores apostar numa maior diversidade de pessoas que se encontrarão mais motivadas no sucesso da empresa e daquilo que fazem. Ora, não é todos os dias que se encontra uma proposta profícua para dois lados altamente contrastantes e, muitas vezes, conflituantes. Facto a que os políticos, na altura das suas tomadas de decisão, devem estar eminentemente atentos.