E assim nascem tradições. Há aproximadamente um ano escrevi a minha primeira crónica para o Observador depois de uma experiência menos agradável aquando de férias no nosso Portugal. Mas quem acredita que tal acontecimento serve para desanimar uma imigrante está muito enganado. A profissão honorária de qualquer português, independentemente do país de residência, é aguentar desilusões e mesmo assim não perder a esperança na vinda (provavelmente muito longínqua) do quinto império da nossa nação, anunciado pelo grande Pessoa. Neste espírito de mecenas magnânima decidi dar uma oportunidade ao que é nacional e marcar umas viagens pela TAP.

Admito desde já que o fiz com uma ponta de cinismo. Pequei por pensamento. Contudo, a minha tendência masoquista não é tão grande assim que me levasse a tomar esta decisão se não achasse que havia a possibilidade de estar enganada na minha perceção negativa desta empresa nacional. Estou sempre com o espírito aberto e disposta a ser corrigida quando a minha atitude por vezes sabichona se revela desadequada. Ora, como o povo sabiamente diz, onde há fumo há fogo e eu estava prestes a descobrir os perigos de ignorar a sabedoria popular e o instinto, o famoso Bauchgefühl, nas palavras dos alemães.

Quem tem um contacto mais frequente com aeroportos e companhias de aviação, constata que o respeito pelo passageiro inúmeras vezes já não é o que era. Tudo bem (ou tudo mal), mas o que é facto é que reclamar constantemente torna-se extremamente cansativo. Por outro lado, as viagens estão mais acessíveis, com os respetivos prós e contras, é assim a vida. Mas significa isto que não podemos ter padrões nenhuns? Que não devamos exigir o mínimo a uma empresa que suga dinheiro e papa pudins dos portugueses em grande estilo, como naquele clássico sketch dos Gato Fedorento? Não me parece.

Mas vamos à história propriamente dita, chega de preliminares. De quatro voos com esta companhia, dois partiram atrasados. Se calhar já estou contaminada com a obsessão germânica com a pontualidade (desta generalização excluo, obviamente, os comboios regionais e a Deutsche Bahn), mas ainda assim achei isto atrevido, eine Frechheit! Uma notícia do mês passado informa que a TAP ocupa a 96ª posição no ranking da pontualidade de acordo com a consultora OAG e registou 56,6% de pontualidade. Perdoem-me se não acho este ranking muito animador, tendo em conta que por exemplo a Easyjet, uma low cost, só perdeu por 4 lugares para a TAP. Problemas de primeiro mundo, pensam vocês. Tudo bem, vamos passar esta situação à frente, ainda agora comecei.

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A jóia da coroa de toda esta experiência começou em Roma, aquela pérola da Antiguidade, contudo não nas ruínas do Coliseu (o que teria sido bem melhor), mas no aeroporto da cidade. Surpresa das surpresas, o voo para Lisboa está atrasado. Tudo bem, espera-se. Que outro remédio há? A paciência portuguesa existe para isto. Não sou uma selvagem que vai fazer confusão no balcão por causa de um mero atraso. Já não é a primeira vez, nem vai ser a última, mas mesmo assim, lá vou aguentando a ansiedade. Repito o mantra até à exaustão e dou voltas distraídas pela zona duty free. Compro um íman para o frigorifico. Tudo está mais ou menos bem.

O tempo passa e os ecrãs do aeroporto anunciam que o voo, afinal de contas, ainda se atrasou mais. Esta informação descubro-a, dado o meu controlo obsessivo das novas informações, nos placards das partidas, porque, apesar de já estar na zona do gate, os funcionários da TAP não tentaram comunicar esta informação aos passageiros. Pergunto-me se a TAP, durante a minha estadia na Alemanha, já virou low cost e eu não fui informada. Um passageiro simpático, mas já um pouco nervoso, informa-me que não é o caso. Respiro de alívio, embora naquele momento preferisse que sim, visto que os meus voos com a infame Ryanair raramente se atrasam. Mantenho a calma, ainda nem tudo está perdido. Se o voo não se atrasar mais, não perco o meu voo de ligação para o Porto, também na TAP. Há-de correr tudo bem.

Mas a odisseia não fica por aqui. O voo atrasa-se ainda mais. Já estou na fila do embarque, mas embarque nem vê-lo. Agora admito que começo a fumegar. Não sou a única. Outros passageiros com outros voos de ligação, incluindo para o Brasil, começam a perder a paciência e acercam-se do balcão. A situação é tensa. Ouço de passagem uma senhora dizer à funcionária da TAP que a empresa devia ir à falência só para que a funcionária perdesse a arrogância. Penso que isso seria um desperdício do dinheiro suado dos portugueses. Quando a situação está prestes a escalar começa o embarque e com alguns solavancos sentamo-nos todos no avião. Enfim! Respirar fundo. Eu e outros passageiros, preocupados com os nossos voos seguintes, dirigimo-nos à tripulação e perguntamos pelo ponto da situação. “Não se preocupe, vamos chegar em cima da hora a Lisboa, mas o voo da TAP espera, não fica em Terra”. Ok, se a tripulação o diz, assim será. Mas, caros leitores e leitoras, acham que a história acaba aqui? Pois não, apertem os cintos para a próxima turbulência.

Aterragem em Lisboa um minuto antes da partida planeada do voo para o Porto. Tentar sair o mais rápido possível do voo para não atrasar o outro, encontrões para cá e para lá e olhares pouco simpáticos, tudo isto sem ajuda da tripulação, à qual não ocorreu pedir ao resto dos passageiros para dar prioridade àqueles com voos de ligação. Inês, esquece isso, concentra-te no objetivo.

Saímos da aeronave já quase sem fôlego. Encontrámos um funcionário que nos informa para que gate temos de ir e acrescenta, sem qualquer tipo de preocupação pelos passageiros mais limitados fisicamente ou idosos que eu, que se não andarmos “rapidinho” só temos um voo “de manhã”. Oh, afinal de contas o voo não espera! Que surpresa que informações corretas e verdadeiras mais uma vez não fazem parte das diretrizes da TAP.

O gate não era ao virar da esquina, era longe o suficiente para ter de correr com velocidade olímpica. Depois de quase ter cuspido um pulmão pelo caminho e com as minhas mãos a tremer que nem uma dependente de álcool em desintoxicação lá consegui mostrar o cartão de embarque, o cartão de cidadão e, depois no avião, a muito custo, colocar a minha mala no compartimento superior. Perguntei a um membro da tripulação se achava este procedimento admissível para uma companhia aérea como a TAP. “Pedimos desculpa”, com uma expressão um tanto ou quanto indiferente. Bem, a minha avó costumava dizer que as desculpas não se pedem, evitam-se. E quem pede desculpa mas repete a asneira muitas vezes, não está arrependido.

Desembarco no Porto e converso com um taxista que me diz que ouve histórias destas sobre a TAP todos os dias. Confesso que estou um pouco indignada e o meu peito ainda está pesado da adrenalina da corrida em Lisboa. Ainda bem que ainda não tenho doenças cardíacas. Espero que os outros passageiros também não tenham porque um esforço daqueles já dava para destabilizar uma angina de peito.

Agora pergunto honestamente se não é direito dos portugueses reclamar com uma companhia aérea que se comporta desta maneira, não conseguindo fazer uma das coisas mais básicas que uma empresa destas tem de fazer, nomeadamente levar passageiros ao seu destino a horas? E tudo isto depois de absorver impostos e euros como uma esponja aos portugueses para se manter à tona? Para onde vai esse dinheiro? A astronomia não é o meu forte, mas isto não é uma companhia aérea, é um buraco negro. E ainda que estes tempos sejam pautados por rudeza e falta de vergonha, sim, ainda espero que uma empresa nacional com tradição me trate com o mínimo de respeito, que mereço. Isso não tem preço. Uma companhia aérea que não esteja disposta a fazê-lo pode começar a pensar em fechar as portas. Ou dar as chaves a quem trate melhor da loja.

Em Roma ouvi falar mais de uma vez do conceito de “pão e circo”. Nos tempos dos romanos, os governantes e imperadores lá arranjavam pão e deixavam o povo ir até ao coliseu gratuitamente para acalmar os ânimos e manter todos distraídos dos verdadeiros problemas. Assim anda Portugal, mas desenganem-se caros governantes, o pão e o circo já não chegam, o povo vai abrindo os olhos. O mais tardar quando vai ao SNS, ou quiçá numa suada viagem de férias com a TAP. A história repete-se. Roma não durou para sempre. A única questão é o que vai ficar para trás, que ruínas terão os portugueses de ver graças à desastrosa gestão de um país que em tempos já foi uma potência mundial. É de dar dó, até a uma imigrante que visita o país pelo menos uma vez por ano.