Quais são as principais lições que podemos tirar da história bíblica da Torre de Babel e do mito grego do Voo de Ícaro? A história da Torre de Babel, entre outras coisas, procura ilustrar os perigos latentes em tentar construir uma grande estrutura/ sociedade sem uma comunicação clara e entendimento entre povos diversos, levando à fragmentação e ao fracasso de não só a estrutura/ sociedade, como também dos seus povos. O mito de Ícaro, por sua vez, alerta-nos contra a ambição desmedida e os riscos de tentar alcançar alturas demasiado elevadas sem a devida cautela. Estas narrativas clássicas oferecem valiosas reflexões sobre os desafios que a União Europeia enfrenta ao tentar governar e manter unidos países tão diferentes.
A última década foi marcada por uma série de eventos e crises regionais e globais que testaram a coesão da União Europeia. A crise financeira de 2008 e a subsequente crise da Zona Euro, o recente influxo massivo de refugiados, o Brexit, o COVID-19, a recente guerra na Ucrânia, as tensões energéticas decorrentes, bem como os debates sobre a agenda LGBTQI+, a sustentabilidade ambiental e a transição energética, têm colocado à prova a coesão no velho Continente. Assim como a Torre de Babel tremeu sob o peso da crescente falta de entendimento, e Ícaro caiu por almejar demasiado alto, a União Europeia também enfrenta o risco de desmoronar sob o peso de si própria. Os mais optimistas entre nós podem rir perante estas palavras quase apocalípticas, e eu até admito que este cenário ainda possa estar distante, mas a História ensina-nos que, até provado o contrário, nada dura para sempre.
Quer se faça um estudo aprofundado da História antiga, quer se percorra os últimos dois séculos na diagonal, a importância de uma Europa Unida é clara. E a dependência dessa coesão na União Europeia é também evidente. Não faltam monumentos que nos recordem de todo o sangue que já foi derramado para, hoje, podermos sorver de uma liberdade e prosperidade com poucos pares no mundo. Ainda assim, a importância de uma Europa Unida não finda no dia-a-dia da sua gente. Uma Europa saudável é vital para o mundo ao servir como um exemplo de cooperação internacional e como um bloco influente num cenário global cada vez mais cinzento. Diante disto tudo, há uma questão que insiste em visitar-me: será que a Europa unida ainda depende da União Europeia?
Vejo a torre de Bruxelas cada vez mais alta, cada vez frágil, cada vez mais distante e estrangeira dos seus povos. E é por isso que estou vigilante e teço constantes críticas. Não quero ver as asas da Europa derreterem ao leme da ambição de quem tem outros interesses que não o bem comum da gente da Europa. As minhas observações são ásperas, mas apenas são guiadas por uma preocupação imensa pelo bem-estar da Europa Unida e da União Europeia.
Eis então, listadas no melhor do meu saber, as minhas observações em relação à União Europeia:
Défice Democrático
- Representação Limitada: O Parlamento Europeu (PE), único órgão directamente eleito, tem poderes limitados em comparação com outras instituições da UE. O PE, não possui a iniciativa legislativa, que é prerrogativa da Comissão Europeia, uma instituição não eleita directamente. Além disso, o Conselho da União Europeia mantém um poder considerável, especialmente em decisões que requerem unanimidade, podendo bloquear completamente propostas legislativas com um único voto contrário.
- Erosão da Soberania e excessiva centralização: Para bem e para o mal (para mim sobretudo para o mal), as políticas e regulamentos da UE infringem a soberania das nações europeias. Exemplos disso incluem a imposição de regras de orçamento e austeridade durante a crise da dívida soberana na zona euro, onde países como Grécia, Portugal e Irlanda tiveram de adoptar medidas económicas severas sob a supervisão da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI). Outro exemplo é a Política Agrícola Comum (PAC), que dita regras rígidas sobre subsídios e práticas agrícolas que todos os Estados-membros devem seguir, muitas vezes limitando a autonomia nacional em questões agrícolas (o mote de vários protestos pela França, Alemanha, Países Baixos etc).
Problemas Económicos
- União Monetária sem União Fiscal: A crise da Zona Euro destacou os problemas de ter uma moeda comum sem uma coordenação fiscal eficaz entre os Estados-membros. Embora cada país mantenha autonomia sobre a sua política fiscal, a falta de mecanismos de coordenação e suporte mútuo exacerbou os desequilíbrios económicos e dificultou a resposta conjunta às crises financeiras. Esta é uma matéria muito sensível e difícil, pois implica equilibrar a necessidade de uma melhor cooperação fiscal com o respeito à soberania nacional.
- Há várias barreiras a ultrapassar e perguntas a responder:
- Autonomia Nacional vs. Coordenação Fiscal: Como podem os países manter a sua independência fiscal enquanto promovem uma maior harmonização e solidariedade no seio da Europa?
- Mecanismos de Suporte: Que tipos de mecanismos de suporte financeiro poderiam ser implementados para ajudar países em dificuldades sem comprometer a responsabilidade fiscal de outros países?
- Reformas Institucionais: Que reformas institucionais seriam necessárias para fortalecer a coordenação fiscal sem centralizar excessivamente o poder em Bruxelas?
- Aceitação Política: Como garantir que todas as partes interessadas, incluindo governos nacionais e cidadãos, aceitem e confiem nas novas medidas de coordenação fiscal?
- Por outro lado, nem que seja para fechar debates, deve-se considerar também o caminho da independência geral dos povos:
- Independência Nacional: Deveriam os países reconsiderar a extensão da sua participação na Zona Euro e explorar uma maior independência fiscal e monetária?
- Saída do Euro: Em que circunstâncias a saída do euro seria uma opção viável para alguns países, e quais seriam os impactos económicos e políticos dessa decisão?
- Há várias barreiras a ultrapassar e perguntas a responder:
- Desigualdade de Riqueza: As disparidades económicas entre estados-membros mais ricos e mais pobres da União Europeia (UE) criam tensões, com os países mais ricos, por vezes, ressentidos pelo apoio financeiro que fornecem aos menos afluentes através do orçamento da UE e dos fundos estruturais. No entanto, estas desigualdades têm vindo a diminuir graças aos fundos europeus, que promovem o desenvolvimento e a coesão:
- Rendimento per capita: Desde 2004, o rendimento per capita nos países da Europa Central e Oriental aumentou de 52% para cerca de 80% da média da UE
- Investimento Público: Durante o período de 2014-2020, a política de coesão representou cerca de 51% do investimento público total nos estados-membros menos desenvolvidos
- Diminuição da pobreza: Entre 2012 e 2019, o número de pessoas em risco de pobreza e exclusão social na UE diminuiu em 17 milhões
Além disso, os países “contribuintes” acabam por receber benefícios económicos indirectos:
- Aumento do Mercado: O desenvolvimento económico nas regiões menos favorecidas cria novos mercados para bens e serviços dos países mais ricos
- Estabilidade Económica: A redução das disparidades económicas contribui para a estabilidade económica e política em toda a UE, o que é benéfico para todos os estados-membros
Ainda sobre dentro do tópico dos fundos europeus, apesar dos benefícios gerais, é importante reforçar que, em alguns países (lista onde Portugal se destaca, e destaca), a falta de transparência na aplicação dos fundos levanta preocupações sobre a sua correcta utilização.
Aqui também surgem vários debates interessantes:
- A longo prazo, não seria mais viável dar aos (ou esperar dos) estados-membros mais autonomia na definição de estratégias de desenvolvimento, em vez de dependerem principalmente dos fundos europeus para promover coesão?
- Como é que os estados-membros podem fortalecer sua capacidade de financiamento, reduzindo a dependência dos recursos da UE e mantendo a soberania económica?
Problemas Sociais
- Liberdade de Circulação: O Espaço Schengen permite a livre circulação de pessoas sem passaporte em muitos países da EU (um aspecto que aprecio bastante), isso levanta preocupações sobre segurança e a capacidade dos países controlarem a imigração. A crise dos migrantes intensificou os debates sobre os controlos fronteiriços e a distribuição de refugiados
- Metamorfose cultural descontrolada: Temo que uma integração mais profunda, juntamente com a migração em massa possa erodir a singularidade que distingue cada povo e os traços culturais comuns que os unem
A seriedade e sensibilidade destes últimos tópicos exigem um pouco mais do que dois pontos soltos. É, sem dúvida, um tema central da discussão política numa boa parte de todos os países da Europa. Como o presente texto já vai longo, reservo o direito de explorar em maior detalhe estes assuntos noutra ocasião. No entanto, Quero dizer apenas que:
A Europa precisa de emigração porque:
- Enfrenta tem uma população cada vez mais envelhecida e com taxas de natalidade em declínio
- Os emigrantes preenchem lacunas de mão de obra fundamentais para a maior parte das economias da Europa
- Faz parte da matriz de valores do Ocidente estender a mão a todos que querem abraçar os seus valores
A emigração precisa de ser controlada porque:
- O crescente número de migrantes ilegais aumenta, quase por definição, as ocorrências de tráfico humano
- A distribuição do peso da emigração é desigual, havendo países que pagam mais pelas políticas migratórias levianas
- Nem todos os indivíduos respeitam a matriz de valores do Ocidente
Como qualquer instituição, a União Europeia precisa saber mudar para saber responder à pluralidade de desafios que enfrenta. Mas não pode mudar de qualquer forma, o caminho da mudança não pode ser orientado pelos impulsos de uma agenda política e económica cada vez mais divisiva, centralizada e obcecada pelo politicamente correcto, mas sim pautando-se pelo respeito à Soberania de cada Povo europeu e pela Divindade do de todos os Indivíduos.
Com tudo isto, reemerge a pergunta inicial: será que a Europa Unida ainda depende da União Europeia? Embora tenha prometido tentar responder, como reconheço a complexidade dos factores internos e externos que podem influenciar o futuro da Europa Unida e da União Europeia, não tenho a ousadia de avançar uma resposta definitiva para a maioria das perguntas que levantei ao longo deste texto. Resguardo-me no privilégio de poder apenas tecer críticas e apontar problemas, consciente de que de mim não são esperadas respostas definitivas. No entanto, na qualidade de cidadão europeu, apenas exijo que aqueles que quererem servir em nome da Europa partilhem do mesmo zelo que eu. E não estou seguro de que assim seja.
Considerando todo o sangue derramado no velho continente e os desafios que se advinham, só posso esperar que a Europa Unida não dependa exclusivamente da União Europeia, mas temo que assim seja o caso. Acima de tudo, espero nunca ter de descobrir. Por muitas que sejam as suas falhas, a Europa precisa da Torre de Bruxelas.