Portugal não ganhou o Campeonato do Mundo de Futebol, para o qual havia tantas esperanças. Não o conseguiu ganhar, mas soube, pelo menos, perder?

Ninguém participa numa competição desportiva com outro ânimo que não seja o de ganhar: é normal e saudável que assim seja. A concorrência entre as várias equipas favorece a competição, que é maior quando o campeonato se estabelece entre as selecções dos países. Iniciada a prova, as selecções nacionais convocadas vão sendo eliminadas, até se chegar às duas finalistas, que vão discutir entre si o título mundial. Que ganhe a melhor!

O desporto é um exercício de destreza física e não só, pois, para além do esforço exigido pela competição, requer também presença de espírito. O bom desportista, para além de uma excelente preparação física, precisa também de visão de conjunto, espírito de iniciativa e de equipa, capacidade de reacção e de oportunidade, para fazer frente às situações que se apresentam no jogo. Também precisa de ter uma boa dose de disciplina e de humildade, para obedecer às indicações do treinador e para não deixar que um excessivo desejo de protagonismo pessoal seja pernicioso para os outros jogadores e, portanto, para a equipa. Talvez não seja fácil prescindir de um golo que se poderia marcar, se outro jogador da mesma equipa estiver melhor posicionado para o remate, ou ter de deixar o relvado para dar lugar a um atleta mais novo. A prática dos desportos colectivos é também, ou deveria ser, uma escola de virtudes humanas, onde se aprende a conjugar o individual com o colectivo, o interesse pessoal com o bem da equipa e, até, nacional.

O bom desportista não é, necessariamente, o que ganha sempre, nem quase sempre, mas aquele que sabe ganhar e … sabe perder. É razoável que um futebolista, depois de marcar um golo decisivo, manifeste a sua alegria, mas se, à conta do golo marcado, perde cinco minutos em inúteis festejos, pode ser que o adversário se aproveite da sua desatenção e se perca a vantagem adquirida. Pelo contrário, um golo sofrido é sempre uma má notícia, mas se alguém ficar, por esse motivo, desanimado, mais provável é que cresça a vantagem do adversário. Portanto, o bom desportista sabe ganhar, sem ficar convencido, como sabe perder, sem ficar deprimido, até porque, mesmo que se trate de um campeonato do mundo, afinal não passa de um jogo, cuja transcendência é, portanto, muito limitada. Portugal não seria mais se tivesse ganho a competição, como também não é menos por o não ter feito. Se os homens não se medem aos palmos, os países também não se medem pelas palmas, nem pelos títulos desportivos.

Se é verdade que, no desporto, como na vida, é salutar uma certa competitividade, também é certo que é perigoso quando esse louvável espírito desportivo atinge elevados níveis de agressividade, o que não só acontece entre os adultos, mas também entre os mais novos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Steven Zaillian realizou, em 1993, o filme Innocent Moves (em português, Jogada Inocente), uma produção cinematográfica baseada na iniciação de Josh Waitzkin no mundo do xadrez. O argumento pode ser exposto em poucas palavras: o protagonista é um jovem de uns dez anos, que frequenta um parque público nos Estados Unidos da América, onde há sempre jogadores de xadrez em animadas partidas. Primeiro por curiosidade e, depois, por um cada vez maior interesse, vai adquirindo um certo gosto pelo jogo, a que seus pais correspondem, oferecendo-lhe um tabuleiro. Começa então a sua carreira de jovem xadrezista de sucesso, para surpresa dos seus pais, que decidem contratar um mestre de xadrez, para que lhe dê explicações. À medida em que vai crescendo o seu empenhamento neste desporto, vai aumentando também o grau de envolvimento do pai que, de mero espectador interessado, quase se converte em agente do filho. Quando, numa prova, o filho perde um jogo, o pai ralha-lhe de tal forma que o filho fica confuso, como se o seu pai tivesse sido substituído por aquele implacável treinador, que não lhe consente nenhum lapso ou distração. A situação torna-se ainda mais insustentável quando, um dia, o explicador de xadrez lhe diz que a pessoa com quem joga é o inimigo a abater, a pessoa a aniquilar, alguém a odiar… A mãe, escandalizada com essas palavras, não hesita e põe o professor fora de casa, dando por concluídas as aulas.

É aqui que está a questão: o desporto e a sua competitividade são bons, mas não a qualquer preço. Uma prática desportiva que converta quem a pratica numa espécie de monstro, que parte para o campo de jogos com a mentalidade de um serial killer, é abominável, até porque a nobreza do desporto, mais do que na vitória, está na superação pessoal e no respeito pelo adversário, que nunca é um inimigo, nem um alvo a abater.

Significativamente, o filme termina com a finalíssima nacional do campeonato infantil de xadrez, em que o protagonista se enfrenta com outro jovem da sua idade. Frente a frente, o protagonista do filme apercebe-se de que já ganhou a partida, mas oferece o empate, que o outro jogador, talvez por pensar que se tratava de um bluff, não aceita e, por isso, perde a final. Curioso é que, ao sair vencedor nacional da prova, manifesta ao pai o seu pesar pelo facto de o seu adversário não ter aceite o empate: teria preferido não ganhar, para não humilhar o seu parceiro que, afinal, não era o seu inimigo, mas alguém que, ao contrário do que o seu mau explicador tinha pretendido, estimava!

Ainda uma palavra para a nossa selecção. Chamou-me a atenção que há já mais de um ano, o treinador nacional tivesse declarado: “se não for apurado nos ‘play-offs’, sairei por minha iniciativa. No dia em que algum objectivo não for cumprindo, nem haverá conversa. Saio pelo meu próprio pé. Há um compromisso assumido com Fernando Gomes. Enquanto formos cumprindo objectivos, vamos continuar juntos. No dia em que não cumprir, eu saio” (Rádio Renascença, 17-11-21). Esta sua atitude de estabelecer um objectivo e comprometer-se, publicamente, a sair pelo próprio pé, caso não alcance essa meta, é eticamente exemplar.

Infelizmente, na actividade política nem sempre impera o sentido ético. Perderam as últimas eleições legislativas o PSD, que não alcançou a meta que se tinha proposto, o CDS/PP, que deixou de ter representação parlamentar, bem como o BE, o PCP e o PAN, que sofreram pesadíssimas derrotas eleitorais. Enquanto os líderes dos dois primeiros partidos, ditos da direita, apresentaram de imediato, num gesto de grande dignidade moral, as suas demissões, os responsáveis pelos três partidos da esquerda mantiveram-se em funções e não parecem dispostos a sair pelo seu próprio pé, o que denota uma atitude pouco democrática e, sobretudo, nada ética. Não se trata de uma questão política – o mesmo deveria ser dito da direita, se tivessem sido os seus chefes a manterem-se em funções depois da derrota eleitoral – mas moral. Talvez os líderes destes partidos, com excepção do PCP que, entretanto, já procedeu à substituição do seu secretário-geral, tenham alguma coisa a aprender em termos morais: fazem falta princípios éticos na prática desportiva mas, mais ainda, na actividade política e na vida pública.