Na Saúde, a eterna luta entre recursos e necessidades está inserida num triângulo de relações entre financiamento, acesso/equidade e qualidade. Como é um setor com particularidades tão próprias que ditam sobrevivência, qualidade de vida e morte, qualquer desequilíbrio nesta balança de três pratos tem o potencial de ditar um efeito catastrófico.

O financiamento da ADSE esteve menos presente na agenda política nos últimos três anos, que corresponderam a um “respiro de alívio” com o aumento da contribuição dos beneficiários para 3,5% do vencimento. Os mais atentos alertaram, contudo, para a instabilidade da solução: o sistema não é sustentável a longo prazo a menos que entre um fluxo constante de beneficiários jovens e saudáveis para garantir a receita que cubra os gastos com os beneficiários mais velhos, com morbilidades e necessidades de assistência. Este é o primeiro problema que a ADSE ainda não resolveu e, aparentemente, ainda não sabe como o fazer, por inabilidade técnica ou por pressão política: separar o “trigo do joio” no universo de potenciais beneficiários pode tornar-se um caminho difícil, perigoso e gerador de iniquidade.

A ADSE tem de se modernizar e criar mecanismos efetivos de controle de custos, de prevenção de abusos e dissuasores de corrupção, oferecendo vantagens competitivas para instituições, prestadores e beneficiários. Mas, por enquanto, os pratos da balança vão ficando desequilibrados, resta saber se se endireitam ou para que lado vão tombar.

A solução simplista encontrada foi a de diminuir em cerca de 10% o pagamento às instituições e prestadores, para travar os aumentos de despesa médios anuais de 12,4% no regime convencionado e de 7,5% no regime livre. Esta medida foi tomada como forma de pressão a montante sem analisar profundamente o que acontece no final da cadeia.

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O pagamento da ADSE nos regimes convencionado e livre divide-se em duas frações: a das instituições e a dos honorários médicos. Tradicionalmente, o cálculo dos honorários respeita a tabela elaborada pela Ordem dos Médicos, de acordo com a complexidade e risco de cada ato e estando estipulados, à partida, os valores respetivos. Desde há dois anos, todavia, que alguns procedimentos passaram a ser pagos pela ADSE na forma de “pacote fechado” englobando ambas as frações. Assim, introduziu dois elementos de discórdia entre quem exerce o ato clínico – os médicos – diminuição da transparência do processo e diminuição dos honorários. A ADSE pretenderá, entretanto, expandir este método de pagamento e, se as instituições de saúde com acordo com a ADSE terão de cobrir custos e procurar algum lucro, os honorários médicos serão, mais uma vez, prejudicados.

Se juntarmos o valor já diminuto recebido por consulta aos dos procedimentos, a ADSE será cada vez menos atrativa para médicos (principalmente os melhores) e, subsequentemente, para os pacientes. Cada vez menos médicos aceitarão trabalhar para esta entidade, cada vez menos serviços de qualidade serão prestados em tempo útil, as vantagens da ADSE face a seguros privados diminuirão e os opt-out começarão a surgir… – Consulta pela ADSE? – Só daqui a um ano!

Ninguém quererá, então, casar com a carochinha, que ficará cada vez mais depauperada de financiamento.

Membro do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos