Todos estamos cientes de que, ao longo de quase três décadas, tivemos  maioritariamente o Partido Socialista como timoneiro do país,  governando 21 anos de 28. Posteriormente às legislativas de 2015, António  Costa decide, pela primeira vez, mostrar as suas natas habilidades de negociação e estabelece um acordo com o Bloco de Esquerda e com a CDU,  precipitando a queda do então governo recém-empossado da coligação  PSD/CDS, por via da aprovação de uma moção de censura. O então timoneiro Costa, já no cargo de primeiro-ministro, realiza com esta  manobra o seu primeiro ato de contrição, onde fez a sua primeira  “piscadela de olho ao diabo”, que foi essencial à sua sobrevivência  política, mudando marcadamente o panorama político nacional. Deste enquadramento retiramos algumas ilações sobre o agora primeiro ministro demissionário. Demoliu os muros, outrora erguidos pelo seu  partido, à sua esquerda, acabando com a ideia de que o partido mais  votado nas urnas seria aquele que teria maior legitimidade para governar e, por conseguinte, polarizando bastante o parlamento, o país e as  pessoas, transformando o ato eleitoral legislativo numa vitória de blocos e  não propriamente partidária.

Parece que o que interessa agora é ter exclusivamente por base a simples  dicotomia entre esquerda e direita, partindo muitas vezes para o ataque  pessoal, numa forma diletante e simplista de encarar o plano político, sem  debater propostas e soluções concretas para os problemas do país,  esvaziando o debate de ideias, essencial à democracia, condensando os discursos numa amálgama populista e de realidade muitas vezes  exacerbada.

Reconhecemos esse modus operandi quando ouvimos André Ventura na  maioria das suas intervenções truculentas, e na cassete predileta de  António Costa, onde o mesmo repete a ideia de que “houve um virar de  página da austeridade imposta pela direita” ou quando este, no recente  congresso socialista, grita exultante, num tom mais agressivo e populista,  que “O diabo não veio, porque o diabo é a direita!”.

O Partido Socialista e António Costa tentaram sempre contar uma  narrativa simples, onde os partidos de direita eram descritos como  criaturas vis, que queriam cortar rendimentos e empobrecer o país, e onde a esquerda encarnava o papel de herói estoico e benemérito, que prometia “mundos e fundos”, que tão bem redistribuía a riqueza,  cumprindo mesmo assim com todas as suas responsabilidades  financeiras, sem nunca atropelar quaisquer compromissos internacionais. O diabo chegou, e aliás esteve lá sempre presente, quase desde o primeiro  dia, de mão dada a António Costa. A cada orçamento que era votado, lá  estava António Costa com um sorriso rasgado, munido do seu tão falado “otimismo irritante”, apoiado pela esquerda, arrancando até por vezes  tímidos aplausos dos seus parceiros, prometendo grandes investimentos e  acenando a todos com grandes bandeiras sociais.

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A realidade do orçamento executado era outra, e por puro oportunismo  político, sem ter uma visão alargada do país e um plano auspicioso  executável, António Costa continuava a promover sub-repticiamente o tal  diabo, que estava escondidinho, talvez por baixo do púlpito onde ele  falava.

Costa agitava as águas e levava muitas vezes ao rubro as emoções do  parlamento, acenando com ideias de melhoria significativas de  rendimentos e grandes projetos, alguns essenciais ao desenvolvimento do  país como nas áreas da Habitação, Infraestruturas, Educação, Saúde e em  matéria fiscal, mas que quando escalpelizados, se percebe que pouco ou  nada se atingiu.

Na Educação, por exemplo, os resultados de um conjunto de políticas  desconexas, estão à vista de todos, refletindo resultados demolidores quer  pelo indicador PISA, quer nas provas de aferição mais recentes. Podemos  debater as raízes desses problemas, mas de facto, é inegável que este setor  foi bastante fustigado durante este governo. A educação de qualidade e  acessível a todos, independentemente do seu poder de compra e estatuto  financeiro, é a força motriz e o elevador social da melhoria das condições  de vida de qualquer população, encontrando-se neste momento parado.  Neste setor, o diabo apareceu uma vez mais, avariou, juntamente com o  PS, o elevador social do país e está a obrigar a que os jovens tenham de ir  pelas escadas, subindo lentamente degrau a degrau. Muitos certamente  não chegarão ao andar pretendido, vencidos pelo cansaço e pela  deficiente educação que receberam.

No setor da saúde, paira a ideia de que se aproxima algo semelhante ao colapso do SNS, pelo menos da maneira como o conhecemos. Os portugueses sentem por isso que não podem confiar exclusivamente no SNS e, por isso, no consulado de António Costa, atingiu-se o recorde de  cerca de 3,6 milhões de utentes a pagarem complementarmente um  seguro de saúde, não vá o diabo tecê-las.

Na Habitação, um dos cavalos de batalha mais preconizados por António  Costa, desde 2015, tudo ficou por fazer… O anúncio da construção de 7500 habitações novas para arrendamento acessível, por via do FEFSS (Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social), por exemplo, caiu  completamente por terra, não tendo sido atribuído qualquer fogo no país. No alojamento estudantil, Costa comprometeu-se a atribuir 12 mil novas  camas até 2022, porém, desse número, pela fonte do PNAES (Plano  Nacional para o Alojamento no Ensino Superior), houve um estrondoso reforço de 73 camas, face ao número inicialmente prometido. Tal como no adágio popular, pode afirmar-se que “a montanha pariu um  rato”. O que se verificou foi um enorme defraudar de expetativas, onde o  governo adotou uma retórica sem substrato, mostrando quase um certo  regozijo em relação à sua atuação, revelando uma vez mais uma postura  de navegação à vista.

Quanto ao contínuo crescimento da direita populista e ultraconservadora, esta encontrou terreno fértil na legitima insatisfação da população, que  não vê respostas para as suas preocupações, alimentada pela postura de  soberba e arrogância adotada por muitos membros do PS e pela tentativa  de diabolização da direita democrática, por parte dos partidos de  esquerda, conjugada com uma oposição pífia, ineficaz e quase soporífera, por parte dos partidos de centro-direita.

Outra personificação do diabo prende-se com a ficção que os socialistas  insistem em alimentar, de colagem do PSD ao Chega, mesmo tendo o líder  dos sociais democratas, Luís Montenegro, recusado categoricamente a  ideia de realizar quaisquer entendimentos pré e pós-eleitorais com o  partido de André Ventura. Dizem: “O PSD está radicalizado e foi tomado  pelo Chega!”. É, principalmente, através desta espécie de soundbyte, que o  PS se eterniza no poder, cultivando uma supra imunidade onde, aconteça  o que acontecer, apesar de todos os erros e omissões, nada os abala. Objetivamente, um dos únicos legados positivos deste último governo foi o equilíbrio das contas públicas, as chamadas “contas certas”, mas deixando  o país com um esforço fiscal que é o quarto mais elevado da Zona Euro e  com os Serviços Públicos mais depauperados do que nunca. A pouco e pouco, vai-se notando que executivo de António Costa anda  encostado ao diabo, pelas incontáveis matérias em que, apesar de atingir maus resultados, continua, de forma burlesca, a procurar iludir os  portugueses, com uma versão cor-de-rosa da realidade que estes não  sentem, como um canto de sereia que nos vai conduzindo ao abismo,  fingindo que estamos no jardim de Éden.

Citando o filósofo Nietzsche “Quando se fita muito tempo o abismo, o  abismo também olha para dentro de ti”. Assim foi António Costa, ao

apropriar-se da alegoria do diabo, aplicando-a sempre a outros, quando  ele sim, se encostou e se tornou, metaforicamente, nesse mesmo diabo. Mesmo com toda esta desoladora realidade, o panorama político não  avizinha que soprem tão cedo os tão desejados ventos de mudança,  mantendo-se um regime “mexicanizado”, envelhecido, onde o maior  partido da oposição parece ter-se perdido e nunca mais se ter voltado a  encontrar, desde a sua travessia no deserto.

Os portugueses sempre estiveram habituados a lidar com os seus  “demónios políticos”, mas sempre foram mais conservadores na sua  decisão de voto, preferindo manter algo mau, já instalado, degradado, mesmo que a cair de podre, mas que já conhecem, a optarem por uma  mudança de partido e protagonista político, ou seja, os portugueses não  gostam, de uma maneira geral, de arriscar. Veremos, se esta AD será  suficiente para cativar a abstenção, conquistar os eleitores do centro aos  socialistas e estancar a hemorragia à sua direita, na fuga desse eleitorado  para o Chega.

Aguardemos para ver se mais uma vez o Diabo vai fazer das suas,  baralhar e dar de novo, sem nada mudar, sem nos trazer soluções, nem  esperança que, a nós jovens, nos faz desacreditar que este país ainda nos  permite um futuro de justiça e prosperidade