O mais recente artigo por Luís Mesquita Dias merece um comentário destinado a sublinhar alguns pontos que me parecem polémicos ou esquecidos.
Quando o autor refere que “o Sudoeste Alentejano foi escolhido (…) por muitos portugueses, na sua maioria jovens, que optaram por deixar as suas terras para aqui se instalarem, trazendo consigo know-how e uma visão de futuro de que a região carece” – assinalo que há realizações neste quadro, como as de produção rural, de investimento turístico e de criação cultural, realizadas nos anos de 2000-2020 na área de influência e abastecimento de água pelo canal provindo da barragem de Santa Clara, que estão a ser por completo postas em causa, devido à actual decisão pela Associação de Beneficiários do Mira de acabar com a possibilidade de ter acesso à água daí proveniente, para os chamados “utilizadores precários”. Tal facto, que vai vigorar oficialmente desde Janeiro de 2023, penalizará de modo irreversível muitas famílias e produtores (jovens e não só) que escolheram este concelho para viver e trabalhar, e que dependem por completo desse tipo de abastecimento, pagando o seu fornecimento anualmente. É o próprio direito à água, inalienável do cidadão e do utente, que está posto em causa.
Não é de todo legítimo que esses “jovens” criadores de riqueza sejam agora alienados, como se fossem utilizadores abusivos daquele meio de subsistência e alimento – depois de a ABM ter aceite abastecê-los durante décadas, recebendo os respectivos proventos – para depois assinalar que estão fora do perímetro oficial de rega – o qual como se sabe, tem uma delimitação por completo desactualizada e desajustada à realidade agrícola e empresarial de hoje – e para mais constatando as perdas enormes de água que permanentemente ocorrem no sistema de canais, agora com mais de meio século de serviço, a necessitar de urgente recuperação. E o chocante despejo para o mar no final desse sistema.
Ora estes utilizadores designados precários, agora menorizados ou mesmo descabidamente desprezados, que, de novo realço – escolheram o concelho de Odemira para viver e labutar – foram durante décadas contribuindo para a produção agrícola e pecuária, e para o desenvolvimento turístico e para a criação cultural, ambos de dimensão internacional, no concelho de Odemira – e dei apenas três exemplos de actividades francamente positivas, de que conheço directamente os produtores, habitantes locais. Mas regressemos ao tema da produção agrícola.
Sendo Luís Mesquita Dias presidente de uma associação ligada à produção odemirense de hortas, fruta e flores em estufas irrigadas, de que acentua o valor para exportação, não é porém lícito que esqueça o valor, comparável, igual ou superior, dos outros produtores rurais do mesmo concelho – os que abastecem de cereais, de frescos, de cortiça, de carnes e outros produtos pecuários, os mercados locais e nacionais – radicados em Odemira, muitos deles jovens como afirma, e tão importantes para a riqueza concelhia como os que defende. Pois muitos destes últimos estão neste contexto a ser lesados de modo desigual, portanto injusto, aos lhes ser negado o abastecimento de água (único modo de a terem), de modo unilateral, que por décadas permitiu a sua referida produção de riqueza agro-pecuária – sob o pretexto de serem “utilizadores precários”.
Para mais quando refere que “a guerra da Ucrânia (…) tornou ainda mais evidente a importância do aumento da nossa autonomia alimentar (…), é patente que uns e outros – os que têm estufas e se dedicam à exportação, como os que as não têm, mas antes irrigam campos e alimentam gado – mas todos com base no abastecimento de “água pelo canal” da ABM, têm igualmente o direito à vida e à dignidade do seu trabalho.
Termino para, baseando-me no atrás dito, concordar com, e acentuar a importância da afirmação por Luís Mesquita Dias: “A água, bem essencial e por definição escasso, tem de merecer a atenção e os investimentos que lhe têm sido negados: de reparação de uma estrutura de armazenamento com mais de 50 anos (…) assim como investimentos em novas fontes de captação. A dessalinização, o aproveitamento de águas residuais e transvases (…) têm de ser estudados.”