À saída do verão o governo português por meio de decreto, revogou aos condomínios o poder de fechar alojamentos locais. O bom senso, mesmo que com muito ruído, venceu. Mas, já que vivemos tempos de escassez de algo que é suposto ser abundante, achei por bem procurar explanar o ridículo do ruído.

Tudo começara, quando o governo português teria emitido o devido decreto e por questão de um rápido intervalo, já ecoava pela comunicação social e canais de alcance digitais que o governo finalmente estava a mostrar a sua face de explorador capitalista, de governo dos nómadas digitais, de governo que gosta que haja uma crise habitacional.

Quanto a substância, nada. O ruído é o que é, ruído. Adiante, mas de que vociferava este ruído? Essencialmente por três razões. Primeira, a de que o alojamento local é algo que não pode ser visto como prestação de habitação. Segunda, que imóveis de habitação permanente devem ter absoluta prioridade sobre imóveis para atividades. Terceira, a de que os residentes permanentes, se em maioria, estavam no pleno direito de expulsar qualquer tipo de atividade de alojamento local do regime de condomínio em que habitam.

É preciso desmistificar esta ideia de que só a habitação permanente é habitação, visto que a definição do termo habitação, deduz somente que é o local onde se habita, onde se pernoita, e onde se executa as necessidades mais básicas. Em nenhuma circunstância está implícito, que alguém que tenha arrendado uma habitação permanente pelo mesmo período que outro alguém que tenha habitado um alojamento local tenha tido uma habitação superlativa. O termo habitação impele as condições garantidas, não o período disposto nessas condições.

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Posto isto, obviamente que se deve reconhecer que a maior parte da habitação é permanente. E perfazendo a mesma, a maior parte do bolo, é nela que devem incidir a maioria das políticas públicas.

Agora as políticas públicas têm de se enquadrar perante a lei. Dando resposta, portanto, à segunda invocação: Não, um imóvel de habitação permanente não tem prioridade absoluta perante um imóvel para atividades comerciais.

O preço por metro quadrado ajustado às condições do momento do mercado terá sido o mesmo, não existindo um premium para os destinos a que o imóvel se destina. E se há algum preço pago pelo facto do imóvel se destinar a atividades comerciais, esse preço já é pago sob forma de licenças e impostos, que não são poucos diga-se!

Exemplo disso, é a existência de outras diversas atividades comerciais, com as devidas licenças, às quais o condomínio não pode exercer qualquer poder de coação, tais como escritórios de advogados, escolas de línguas ou música…

Em seguida, e respondendo à terceira indignação, é preciso relembrar que vivemos num Estado de Direito. Tal significa, que mesmo que uma maioria parlamentar tenha 60% dos votos, por exemplo, a mesma não pode negligenciar, passar por cima ou negociar certos direitos e deveres. Que deveres são esses? Os plasmados na constituição. Onde se inclui o direito e liberdade à propriedade privada.

A propriedade privada é um direito fundamental da constituição. O «achismo» sobre a propriedade dos outros não o é.

Sendo que o facto de o ser, faz com que o mesmo não possa ser referendável, alvo de voto por maiorias, ou negociável.

Cada qual, se proprietário, desde que cumprindo as leis vigentes, tem o direito de explorar, dar uso e rentabilizar a sua propriedade da forma que bem entender.

Faz portanto total sentido, a deliberação do governo português de não permitir que a atividade de alojamento local seja a priori rejeitada apenas pelo «achismo» que derem os restantes proprietários de um condomínio.

Se o tal proprietário de alojamento local violar leis de convivência pública, aí sim é verificável a participação e quem sabe proibição da prática dessa atividade no referido imóvel. Lá está, num Estado de Direito a justiça faz-se nos tribunais, não nas reuniões de condomínios.

Para se ter noção do ridículo da invocação comunitária protagonizada pelo ruído, deixo aqui o seguinte cenário: imaginem que existia uma câmara municipal em que a maioria achava por bem limitar a saída dos munícipes à rua a partir das 22h… É legítimo tal ato, apenas por ser decidido em maioria? E no caso de ser um prédio a decretar a mesma ideia?

Acho que é de tal bizarria, achar que um condomínio se sobrepõe à lei nacional em que está inserido, que não vejo motivo para me alongar…

Por fim, dir-me-ão que também no texto constitucional vem o direito à habitação. É verdade, e portanto existe um conflito de direitos constitucionais óbvio. Como diz a lei que se deve atuar perante tal? Com proporcionalidade, quase que como se tratasse de uma balança.

Todo este ruído em nada se preocupa com a crise habitacional, que se deve à falta de construção. Está apenas dedicado a instaurar na sociedade civil o eco de um ódio ao livre mercado e por sua vez ao Estado de Direito. Poderá ser essa a resposta mais fácil? Talvez. É a que funciona? Claramente que não. Não nos deixemos enganar nisso.