Muitos especialistas fazem previsões sobre o futuro com uma precisão que é apenas ligeiramente melhor do que a de leigos, comprovando que a previsão de eventos futuros é extremamente difícil e muitas vezes tão aleatória quanto “atirar uma moeda ao ar”. Quem o diz é o psicólogo Philip Tetlock que, no livro Superprevisões, apresenta os resultados do seu estudo e demonstra a dificuldade do ser humano em fazer previsões.

Deste modo, ao abordar os desafios futuros de Portugal, é crucial considerarmos as lições do estudo de Tetlock que revela que, apesar de as previsões serem inerentemente desafiadoras devido à complexidade e imprevisibilidade do mundo, certas estratégias podem melhorar significativamente a nossa capacidade de antecipar o futuro. Tetlock identificou um grupo de “superprevisores” que, utilizando técnicas como a decomposição de questões complexas e a aplicação de probabilidades, conseguem previsões com uma precisão 60% superior à média.

Esta abordagem é especialmente relevante quando consideramos os desafios multifacetados que Portugal enfrenta, como o envelhecimento da população, a dívida pública elevada (em termos nominais), desafios na educação e inovação, bem como a necessidade da transição energética e a digitalização da economia. Assim como os “superprevisores” de Tetlock, é essencial abordar estes desafios com uma combinação de cautela, humildade e uma mente aberta às mudanças, reconhecendo que previsões precisas requerem a adaptação contínua às novas informações. Portugal, ao enfrentar os seus futuros desafios, deve assimilar estes ensinamentos, adotando uma abordagem detalhada e probabilística para desenvolver estratégias robustas que antecipem e respondam eficazmente às complexidades do futuro​​​​.

Feita esta breve introdução, é certo que abordarei temas em que não sou profundo especialista, mas que, à luz dos dados e conhecimentos que temos hoje, me parecem, entre muitos outros que referi anteriormente, ser escolhos que temos inevitavelmente de ultrapassar.

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Vamos então por pontos. E começo pela estabilidade política que é o alicerce sobre o qual todas as reformas e progressos devem ser construídos. Sem ela, os esforços para avançar em áreas críticas podem ser prejudicados por incertezas e mudanças de direção. Assim, o governo de Portugal tem a responsabilidade de proporcionar um ambiente estável que favoreça o desenvolvimento sustentável e a inovação.

No que diz respeito à educação, a revolução trazida pela inteligência artificial e outras tecnologias exige uma reformulação do sistema educativo. É imperativo redefinir os currículos e métodos de ensino para preparar as futuras gerações para os desafios e oportunidades do século XXI, tendo em consideração que muitos dos alunos estão agora a estudar para profissões que ainda não existem, mas irão inevitavelmente surgir. Ora, isto implica não apenas a integração de novas tecnologias na sala de aula, mas também uma mudança na abordagem pedagógica, privilegiando o pensamento crítico, a criatividade e a adaptabilidade.

Neste contexto, deixo apenas uma provocação: se trouxéssemos um médico do século XIX para os dias de hoje, dificilmente operaria um doente com algum problema de saúde mais delicado; ora, se fizéssemos o mesmo com um professor, qual acha que seria o resultado? Exato, o método utilizado seria praticamente idêntico – e isto diz muito sobre a evolução “frágil” do sistema educativo. É certo que temos mais professores preparados para as dificuldades das crianças e psicólogos para acompanhar e apoiar na tomada das melhores decisões, mas continua a ser muito “curto”.

Mudando a agulha para a transição energética, estamos perante outro pilar fundamental para o futuro de Portugal. Investir em energias renováveis e promover a eficiência energética são passos cruciais para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, combater as mudanças climáticas e posicionar Portugal como líder na economia verde. Este compromisso com a sustentabilidade não só protegerá o ambiente, como criará oportunidades económicas e empregos.

Já a reforma fiscal é igualmente crucial para criar um ambiente mais propício ao investimento e à inovação. Uma estrutura fiscal competitiva atrairá investimentos estrangeiros e apoiará o crescimento de empresas nacionais, dinamizando a economia portuguesa. É critico oferecer aos jovens nacionais, até 30-35 anos de idade, um pacote fiscal que permita ora os manter em Portugal ou regressar.

No setor do turismo, é essencial inovar e elevar a qualidade da oferta quer nos produtos quer nos serviços. Portugal deve aspirar a um turismo sustentável que valorize a sua rica herança cultural e natural, diversificando os destinos e promovendo experiências autênticas que vão além dos tradicionais pontos de interesse.

No que diz respeito à simplificação da burocracia, é uma necessidade premente para eliminar obstáculos ao desenvolvimento empresarial e facilitar a vida dos cidadãos. A digitalização dos serviços públicos e a desburocratização dos processos administrativos são passos fundamentais para tornar Portugal mais ágil e competitivo.

Além destes pontos, a questão da habitação, onde já tenho um conhecimento mais alargado, emerge como um desafio profundamente crítico para o futuro de Portugal. O acesso à habitação adequada e acessível é um direito fundamental e um pilar da coesão social. No entanto, muitas áreas, especialmente nas grandes cidades, enfrentam uma crise de habitação, com preços a subir e a oferta a não acompanhar a procura. É necessário implementar políticas que promovam a construção de habitação (muitas delas a preços acessíveis), reduzam drasticamente os prazos de licenciamento, regulem o mercado de arrendamento para garantir proteção não apenas aos inquilinos, mas também aos senhorios e incentivem a reabilitação de imóveis desocupados. A aposta em habitação social e programas de apoio à primeira habitação podem ajudar a aliviar este problema, promovendo a inclusão e a diversidade nas comunidades urbanas. Neste contexto, a fiscalidade também precisa ser revista…. com (muita) urgência.

O futuro de Portugal será moldado pela forma como o país enfrenta estes desafios interligados. Através da estabilidade política, da inovação no ensino, da aposta nas energias renováveis, da reforma fiscal, da promoção de um turismo sustentável, da simplificação burocrática e de uma abordagem proativa à crise habitacional, acredito que Portugal possa assegurar um futuro mais próspero, sustentável e inclusivo para as gerações vindouras.

José Cardoso Botelho é licenciado em Gestão e especializado em Finanças Empresariais. Tem desenvolvido negócios no sector imobiliário, construção e obras públicas, software 3D ou equipamento médico, entre outras áreas. CEO da Vanguard Properties, é membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.