1 Riscos acrescidos!
A proposta de Lei 41/ XIV/19 aprovada em Conselho de Ministros e em apreciação na Assembleia de República tem vindo a ser criticada por instituições como o Tribunal de Contas ou a Associação Portuguesa dos Mercados Públicos (parecer acessível em www.apmep.pt), sendo interessante verificar o consenso de oposição que está a criar entre professores, especialistas, associações, e entidades independentes. As principais críticas centram-se nos riscos acrescidos que estas alterações comportam no que respeita ao aumento do clientelismo, da corrupção e da discricionariedade, e, bem assim, à da redução da concorrência, do respeito pelo mérito e da exigência de avaliação dos contratos a celebrar.
2 Acelerar e simplificar?
Todavia, nesta breve nota prefere-se questionar o argumento em que se baseia esta iniciativa: acelerar e simplificar o que leva a substituir concursos por convites.
Na verdade, é consabida a lentidão da nossa Administração Pública (AP) a contratar mas não só pois também são conhecidos os seus atrasos a certificar, a licenciar, etc. o que bem obstaculiza o desenvolvimento nacional. Mas será substituir concursos por convites que se vão simplificar e acelerar os procedimentos?
Ora, convém divulgar os prazos mínimos atuais para os concursos que agora seriam ser substituídos por convites já que são mal conhecidos: Para aquisição de bens e serviços é de 6 dias e para obras é de 14 dias ou 6 se forem muito simples.
Quando se envia um convite é necessário dar tempo aos concorrentes para preparar as propostas (salvo se, por iniquidade, se imaginar que já estarão preparadas…) pelo que alguém ousa usar menos de 6 ou 14 dias?
Alguém poderá sustentar que estes períodos é que serão os “vilãos“ responsáveis por delongas e imbróglios?
É bem evidente que não pelo que este argumento é simples equívoco político, vazio e gratuito.
Perguntar-se-á então: quais as causas de tais problemas? Ora tal diagnóstico é bem fácil de sintetizar.
3 Quais então as causas dos atrasos ?
Tais análises têm vindo a ser estudadas desde há muito, podendo citar conclusões ainda obtidas quando o autor era Presidente do INA, em 2005, as quais se têm vindo a agravar :
- Complexificação do regime financeiro essencial à cabimentação orçamental agora agravada pelo regime dos compromissos e pelas flutuações sinusoidais de cativações e descativações orçamentais da AP.
- Desvalorização progressiva das carreiras de especialistas na AP, pelo que esta se tem vindo a desertificar de competências apropriadas à contratação pois não é possível contratar bem quem não sabe o que deve e como deve contratar.
- Quase desaparecimento da formação especializada em contratação pública o que contrasta com a Recomendação da Comissão Europeia 2017/1805 em que insiste na importância de garantir tal formação e de garantir carreiras atraentes para os profissionais da contratação pública. Esta recomendação sobre a profissionalização dos especialistas em contratação pública (“public procurers”) foi bem acolhida em numeroso Estados europeus mas não em Portugal onde foi simplesmente ignorada.
- Outra causa dos atrasos radica-se na instabilidade do Quadro Legal sendo importante referir que esta alteração é a 12ª em 12 anos do Código dos Contratos Públicos (CCP) o que nos coloca no pódio da instabilidade! Ora tal instabilidade não depende da AP mas sim do poder político que prepara tais alterações de forma mais ou menos casuística e não seguindo as recomendações aceites consensualmente por instituições internacionais a que Portugal pertence tais como a OCDE. Na verdade, o seu Conselho tem vindo a aprovar recomendações metodológicas sobre a regulação legislativa ( ver, OCDE, Recomendação do Conselho sobre a Melhoria da Qualidade da Regulação Legislativa Governamental, 2020) já desde 1993 e que Portugal vota com entusiasmo mas ignora com a mesma satisfação!
Em suma, não se precedem as alterações de análises independentes e objetivas sobre sucessos e insucessos, problemas a resolver, modernizações a introduzir, preferindo-se recorrer à inspiração de este ou aquele autor, mais ou menos iluminado, quem sabe talvez, por Direito Divino…
4 Conclusão
As propostas apresentadas comportam importantes riscos que já têm vindo a ser explicitados, mas, para além do mais, como a AP necessita de tempo para estudar e compreender o alcance de cada alteração do CCP, e esta abrange mais de 80 artigos do CCP, o legislador poderá estar certo que, a ser aprovada, nos próximos 2 ou 3 anos haverá a consequência oposta da pretendida: dúvidas e pausas na contratação pública!
Lisboa, 3 de Outubro 2020