Em 2017, José António dos Santos (JAS) comprou as ações da Benfica SAD que a Somague (3.65%) e o Novo Banco (7.97%) detinham, juntando estas às 150 mil ações que já eram suas. Tendo pago o preço justo de 1.05 €/ação registado à data na Bolsa de Valores de Lisboa, JAS tornou-se o segundo maior acionista da Benfica SAD com um investimento de cerca de 3 milhões de euros.

Em Novembro de 2019, a Benfica SGPS lançou uma OPA por 28% do capital da Benfica SAD, a um valor de 5 €/ação, não obstante dos (apenas) 2.7 €/ação que a Bolsa registava à data. A oferta 85% acima do valor de mercado foi justificada pela SGPS como uma tentativa de garantir que os acionistas que adquiriram ações em 2001, na altura da entrada das ações em bolsa, podiam vendê-las nesta OPA a um valor nominal semelhante ao então verificado. Como se em mercados bolsistas houvesse espaço para memória, romantismos e afetos.

Esta OPA iria permitir que JAS recebesse pouco mais de 14.6 milhões de euros pela venda das suas ações. Ou seja, excluindo o investimento pago na compra das ações, o lucro poderia ter superado os 10 milhões de euros numa sociedade cujos dividendos anuais para os acionistas são praticamente nulos. Luís Filipe Vieira (LFV), que detinha 3.28% do capital social à data, não pode entrar nesta operação dado que pertencia aos órgãos sociais do clube. Não obstante, o valor de venda das suas ações ficaria bloqueado permitindo ao ex-presidente do Benfica encaixar 3.8 milhões de euros.

Contudo, a CMVM recusou o pedido de registo da OPA da Benfica SGPS (sociedade que gere as participações sociais do Sport Lisboa e Benfica presidido por LFV) sobre a Benfica SAD (cujo presidente do conselho de administração era LFV) alegando que a primeira estava a ser financiada pela segunda. Isso mesmo: a SAD estava a financiar a sua própria compra ao clube. Basta pensar-se assim: como iriam as modalidades comprar o futebol?!

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Tudo isto foi factual e público antes das eleições para os órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica em Outubro de 2020. As suspeitas que LFV ajudava o seu amigo JAS, em detrimento dos interesses da própria Benfica SAD, eram públicas muito antes da indiciação do Ministério Público. Ninguém parece ter-se mostrado realmente preocupado com três sucessivos abandonos precoces de presidentes da mesa da assembleia geral do clube (Luís Nazaré e Rui Pereira) e da SAD (Álvaro Cordeiro Dâmaso) em pouco mais de um ano. Os sócios tinham tudo para desconfiar da conduta de LFV quando decidiram reelegê-lo como presidente com 63% dos votos. É caso para dizer-se que hoje o Benfica vive dias difíceis por responsabilidade dos seus associados, porque quando chamados a decidir sobre o futuro do seu clube não tiveram em conta os factos decisivos e determinantes na conduta dos candidatos à presidência do seu clube, e deixaram-se ir atrás de gastos populistas e demagógicos em jogadores de futebol. É caso para crer que a reeleição de LFV custou 100 milhões de euros em reforços ao Benfica.

Mesmo depois da OPA não registada e do lucro milionário não efetuado, JAS (estranhamente) continuou a comprar ações da Benfica SAD: em Março de 2020 mais 2.7% através de duas empresas (a Valouro e a Avibom); entre Abril e Junho de 2021 mais 3% à Quinta dos Jugais e 3.65% a José Guilherme, perfazendo um total de cerca de 23.1% do capital social da Benfica SAD.

Qual a sorte do Rei dos Frangos quando LFV apresentou-lhe John Textor, um investidor norte-americano, que estaria na disponibilidade de pagar, não os 2.8 €/ação que o mercado avaliava as acções do Benfica à data, nem os 5 €/ação da OPA de um ano antes, mas 8.6 €/ação. Isto iria permitir a JAS encaixar 50 milhões de euros por 25% das ações que não tinha, e a LFV bloquear o valor da sua venda de 6.48 milhões de euros. Pena foi que LFV não tivesse proposto que a venda, pelo menos parcialmente, fosse feita sobre o capital social detido pelo Sport Lisboa e Benfica, ficando o lucro nos sócios, mas antes sobre o capital social de JAS, ficando o lucro no bolso de privados.