Por agora, todos os que seguem, de uma forma mais ou menos atenta, a campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos, sabem da decisão do Presidente Biden de renunciar à candidatura para a nomeação pelo Partido Democrata. Durante as semanas que antecederam a decisão, depois do debate com o candidato Trump no dia 27 de junho, um mal-estar instalara-se em certos segmentos do partido; nos defensores do Presidente, nos eleitores que nas primárias tinham votado pelo ticket Biden-Harris, na comunidade negra que tem estado por detrás de Joe desde 2020, e naqueles que defendiam que a Vice-Presidente teria de ser a sucessora natural no caso de haver a desistência do Presidente.

Esse incómodo era aumentado pelas notícias que vinham a público, com o instrumento jornalístico das declarações em background, onde pessoas que dizem ser próximas aos atores políticos ou de mega-doadores, falam com a imprensa sob a condição de anonimato sobre o que se passa no interior das campanhas. Começou a propagar-se a ideia de que havia quem estivesse por detrás da pressão para Joe Biden renunciar para que houvesse um candidato homem, branco, aprazível, e que tudo seria feito para ter esse resultado. Fosse uma Convenção “aberta” (onde qualquer candidato, se tiver votos suficientes pode se apresentar para ser o nomeado), ou com umas “mini-primárias” onde haveria um speed round de debates para a eventual aclamação durante a Convenção de 19 a 22 de agosto em Chicago, ou com uma coroação, mais ou menos direta, pelas elites do partido.

Sendo assim, os que seguem fielmente o processo (onde se inclui o vosso cronista), e principalmente aqueles que o fazem porque querem o melhor candidato possível para fazer frente a Trump e os Republicanos (onde também se inclui o vosso cronista), estavam na expectativa para ver o que aconteceria se/quando Biden anunciasse a sua decisão (ficar, não ficar), como reagiria o aparelho partidário (bases e elites), e doadores e mega-doadores. Principalmente, ver se o partido se iria fraturar de uma forma significativa, como se viu com a fação Bernie e Hillary em 2016. E não há narrativa que a imprensa americana goste mais do que a de “Dems in disarray” (o Partido Democrata está em desordem).

O que se viu, no entanto, foi verdadeiramente assombroso e histórico. Um campo gravitacional à volta de uma estrela gigante, que tragou tudo à sua volta, em poucas horas, num raro momento de convergência e concórdia que pode mudar o rumo da eleição, mas, pelo menos, mudou o partido, entusiasmou os ativistas, deu esperança aos descrentes, e despertou a atenção dos eleitores menos envolvidos. E quantas horas foram precisas? 48 horas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

21 de junho

18h51: O Presidente Biden publica uma carta onde expressa a intenção de não concorrer à nomeação pelo Partido Democrata para um segundo mandato.

19h16: Numa tentativa de separar declarações que serão históricas, principalmente da anterior, o Presidente emite uma segunda nota onde endossa a Vice-Presidente (VP) para assumir o seu lugar, e ser a candidata à nomeação pelo partido.

Após um período de choque, espanto e ajuste, começam as 48 horas mais alucinantes da história moderna para uma campanha para as presidenciais nos Estados Unidos.

20h05: O primeiro apoio oficial vem da Congressista Pramila Jayapal do Estado de Washington, a influente Diretora do Grupo Progressista no Congresso.

20h19: O casal Bill e Hillary Clinton expressam que estão com a VP.

20h25: O Grupo dos Afroamericanos no Congresso manifesta o seu apoio.

20h35: O mesmo faz o Grupo dos Hispânicos no Congresso.

20h49: Outro apoio importante na figura do Congressista Jim Clyburn da Carolina do Sul, um dos power brokers no Partido Democrata, sendo, por exemplo, uma das razões para, em 2020, o então candidato Biden ganhar a nomeação e seguir para Presidente.

21h06: Primeira declaração oficial da presumível candidata: “Eu estou honrada de ter o endossamento do Presidente, e é minha intenção merecer e ganhar esta nomeação”.

21h50: Outro apoio de peso, com o Congressista da Califórnia, Ted Lieu, o Vice-Diretor dos Democratas no Congresso.

22h15: O primeiro ato formal da campanha Harris para a nomeação, com a submissão da documentação para a Comissão Eleitoral Federal, e o pedido formal de modificação da designação Biden para Presidente para Harris para Presidente.

23h06: O Congressista Adam Schiff, também da Califórnia, como Harris, e considerado como um dos futuros candidatos à liderança do partido (agora a concorrer para um lugar do Senado) endossa a VP.

Antes de mudarmos de dia, é importante referir também as primeiras declarações de apoios de Senadores democratas. Das 20:30h até à meia-noite de dia 22, a primeira sendo Tammy Baldwin (Wisconsin), 20h40 Tim Kaine (Virgínia), 21h02 Patty Murray (Washington), 21h18 Mark Kelly (Arizona), 21h32 Chris Coons (Delaware), os influentes Mark Warner de Virgínia (21h35) e Elizabeth Warren de Massachusetts (21h45). Às 21h55 seria o Senador da Geórgia Jon Ossoff. Depois seriam, às 22h55 Tina Smith, e às 23h24 a importante Amy Klobuchar, ambas de Minnesota. Igualmente importante, uma vez que sectores do partido consideram ser também um eventual candidato à presidência (e quem achasse que seria já este ano), às 23h19 o Governador de Pensilvânia, Josh Shapiro declarava o apoio à VP.

Dia 22 (madrugada)

0h50: Outro eventual candidato a líder (e candidato à nomeação em 2020), Pete Buttigieg, agora Secretário de Estado para Transportes, diz apoiar a VP.

1h: Primeiro email da campanha Harris para Presidente: “Eu estou na corrida para a Presidência”.

1h20: A estrela em ascendência do Partido Democrata, Alexandria Ocasio-Cortez, e presumível líder no futuro da fação Bernie Sanders, declara o seu apoio.

2h: As delegações estatais do Partido Democrata da Carolina do Norte, Carolina do Sul, e Tennessee fazem saber que os respetivos delegados ao Congresso garantiram os seus votos para a VP.

2h15: Seria a vez da delegação de New Hampshire garantir o mesmo.

2h45: O Professor de Direito Constitucional, e tal como Adam Schiff, uma das estrelas da Comissão 6 janeiro, o Congressista Jamie Raskin, endossa a VP.

3h: Para “terminar” o dia, ActBlue, a maior organização do partido na recolha de fundos online declara que recolheu 46,7 milhões de dólares.

Igualmente no lado dos Senadores e agora dos Governadores, houve uma catadupa de apoios. 1h10, Bob Casey (Pensilvânia), 1h30 Chris Murphy (Connecticut), 1h40 Brian Schatz (Havaí), 3h20 Michael Bennet (Colorado). De Governadores, destaque para, 0h15 Roy Cooper (Carolina do Norte), e, principalmente, às 0h38 Gavin Newson, Califórnia, um dos possíveis unicórnios mencionados acima. Às 1h45 seria a vez de Phil Murphy, Governador de Nova Jersey.

Dia 22 (dia)

13h10: O Diretor do Grupo Democrata no Congresso (Pete Aguilar) junta-se ao Vice-Diretor Lieu.

17h15: Senadores, do Nevada, Cortez Masto. 17h25, Kirsten Gilibrand de Nova York. 17h55, John Hickenlooper do Colorado, 18h, Mazie Hirono do Havaí, 18h20, Jacky Rosen do Nevada, e 18h25, Debbie Stabenow do Michigan. Também do lado dos governadores, apoios de peso, e alguns tidos como potenciais candidatos no futuro, caem para o lado Harris. 13h55, Andy Beshear do Kentucky, 14h35, Wes Moore de Maryland, 15h, JB Pritzker de Illinois, e principalmente, tal como Gavin Newson, outra grande esperança dos Democratas, 15h20, Gretchen Whitmer do Michigan. Ainda haveria tempo (15h30) para o Governador Tony Evers, de Wisconsin, se juntar ao grupo.

Porém, o momento-chave, e suficiente para o vosso cronista colocar um tweet com a expressão “Game Over”, aconteceu às 18:30h, onde a Speaker Emirita Nancy Pelosi declara o apoio à VP.

18h55: A Campanha Harris declara ter recebido 81 milhões de dólares durante 24 horas.

22h45: Seria a vez da Future Forward, uma organização que apoia o Partido Democrata (um Political Action Committee) dizer ter amealhado 150 milhões.

23h10: A candidata junta-se à equipa da campanha Biden para Presidente em Delaware, agora sua por inerência, onde agradece o trabalho já realizado, desafia a equipa para continuar junta, e fala com o Presidente por telefone.

Dia 23 (madrugada)

3h55: A VP Harris obtém o número necessário de delegados para garantir a nomeação

Dia 23 (dia)

13h10: A Campanha Harris para Presidente anuncia que recolheu 100 milhões de dólares, com 1,1 milhões de doadores, sendo 62% deles pela primeira vez.

18h20: Após o número de delegados que tinham garantido o apoio à VP ter superado o valor necessário para a nomeação, Chuck Schumer, Líder da Maioria no Senado, e Hakeem Jeffries, Líder da Minoria na Casa dos Representantes, endossam Kamala Harris. A demora á fácil de explicar devido à tentativa de não influenciar o processo democrático.

The day after

16:00h: Team Harris anuncia que recolheu 126 milhões desde que Joe Biden endossara Kamala Harris para ser a nomeada para a Presidência.

17:20h: Vote.org, uma organização não partidária, observou um aumento de 700% em registos diários de novos votantes, mais de 38.500 nas 48 horas seguintes à decisão do Presidente.

And we are off to the races.