Uma causa grande é uma causa que muitas pessoas acham que é uma grande causa. É decerto possível que algumas causas grandes sejam grandes causas; mas quanto maior é uma causa mais difícil é saber se é realmente uma grande causa. Perguntar àqueles para quem uma causa é grande se ela é de facto uma grande causa é como perguntar a um vendedor se o peixe é fresco.  Os vendedores protegem o seu peixe das inquirições; e não lhes é possível ao mesmo tempo acreditar que o peixe é fresco e que pode não ser.

Quanto maior for uma causa, mais difícil é arranjar alguém que nos ajude a perceber se é uma grande causa. A primeira e mais importante consequência das causas grandes é justamente esta: como as causas grandes são causas de muitas pessoas, é difícil arranjar pessoas disponíveis para escrutinar a sua grandeza.   Para a maioria a própria tarefa é incompreensível: não é preciso escrutínio nenhum.  Qual poderia ser o propósito útil de mexilhar nas nossas crenças se já se sabe de antemão que todas as causas grandes são grandes causas?

Por todas estas razões os adeptos das causas grandes não gostam de quem não é adepto dessas causas. Uma causa grande pode bem ser uma grande causa; grandes números de pessoas podem ter razão acerca daquilo em que acreditam; e na maior parte dos casos até terem razão. Mas mesmo quando têm razão as pessoas que acreditam nas causas grandes não tratam quem não acredita nas suas causas como pessoas que com o tempo poderão perceber erros de estimativa; tratam-nos como loucos apostados em contrariar as grandes maiorias.

Contudo, a ideia de que as nossas causas são as de muitas outras pessoas não é também só por si uma fonte de conforto.   A quem acredita em causas grandes não é estranha uma certa sensação de pânico. Teme-se comummente que os loucos se possam decidir um belo dia a conspirar contra as nossas causas.   O pânico leva-nos a acreditar que as grandes causas requerem que se combata sem descanso quem lhes quer mal; e às vezes a desconfiar de quem ao de cima pensa como nós, e a tentar apurar se, embora disfarçados de pessoas normais, não serão também loucos por baixo.

Os combates e as desconfianças acompanham todas as causas grandes; fazem quem as cultiva sentir-se mais vivo, mas no sentido em que os militares e os polícias têm vidas mais alegres.   Estes sentimentos são independentes do conteúdo das causas. Para quem acha que qualquer causa grande é sempre uma grande causa o conteúdo não importa: basta-lhe que muita gente esteja de acordo consigo. Não lhe ocorre nunca que as grandes causas e as causas grandes são como o estado do peixe e o que os vendedores dizem dele; podem coincidir, e muitas vezes coincidem: mas coincidem por coincidência.

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