A inflação1 tem muitas e grandes vantagens. Depois de termos visto as suas causas, e porque os seus benefícios parecem estar a passar desapercebidos do grande público, fazemos a seguir uma breve recapitulação destes.

1 Crescimento económico: uma enorme vantagem da inflação é fazer a economia crescer imenso. Quando há inflação, mesmo que o crescimento do produto em termos reais seja zero, o PIB em temos nominais cresce à taxa de inflação.2 Assim, quanto mais alta for a inflação mais o PIB nominal crescerá, mesmo que os portugueses continuem tão pobres como dantes. Com um crescimento real nulo e uma inflação anual de 40% o nosso3 governo vai poder anunciar que o PIB cresceu 40%. Os comentadores económico-financeiros ficarão deslumbrados e a China enviará uma equipa de estudo para analisar o milagre português. E, mesmo que a quantidade e pão e cerveja nas nossas mesas não aumente, será que haverá algum tuga que não sentirá o peito arrebentar de orgulho por essa proeza nacional?

2 Aumento das receitas públicas: outro benefício incrível da inflação é fazer aumentar, automaticamente e sem qualquer alteração das políticas fiscais, as nossas receitas públicas. Que receitas são estas? Quase tudo impostos y afins, coisas como IVA & IRS. Sempre que há inflação as receitas tributárias aumentam, mas a beleza da coisa está em que elas crescem mesmo quando:

  1. o governo anuncia, com grande pompa & fanfarra, que não fará qualquer aumento de impostos, isto é, que não mexe nem nas taxas, nem nos escalões (quando os há), de nenhum imposto, ao mesmo tempo que
  2. a economia não cresce em termos reais.

Mais!, e como se isto já não fosse fantástico, devido ao elevado grau de progressividade4 de alguns impostos, não só a receita tributária aumenta quando há inflação, mas a carga fiscal também cresce, isto é, a proporção da receita fiscal sobre o PIB (quer nominal, quer real) aumenta, disponibilizando recursos para importantíssimas causas sociais de interesse nacional, como a tap ou o siresp.

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3 Crescimento substancial & sustentável dos investimentos públicos e dos salários da função pública: uma vantagem não inferior às anteriores que a inflação nos proporciona é que irá permitir ao nosso governo anunciar grandes aumentos salariais na função pública e o reforço muito significativo dos investimentos nos ministérios que estejam na moda nesse dia, mas sem fazer comprometer o equilíbrio orçamental. Com uma inflação de 40%, aumentos da despesa pública na ordem dos 30% são compatíveis com uma redução do déficit, permitindo ao nosso governo demonstrar uma responsabilidade orçamental germânica muito ao gosto das finlandesas ao mesmo tempo que satisfaz as exigências salariais mais fantásticas dos sindicatos da função pública e sacia o apetite voraz das clientelas que se sentam à mesa do orçamento de estado.

4 Equilíbrio orçamental: como consequência do crescimento automático das receitas fiscais causado pela inflação, poderá ocorrer um benefício adicional: uma gradual evolução para o equilíbrio ou, quiçá, para um superavit, do orçamento de estado. Este resultado, que a acontecer será histórico na vida da nossa républica, dependerá do aumento discricionário que o nosso governo decida dar às despesas públicas: enquanto o crescimento percentual destas for igual ou inferior à taxa de inflação, a evolução para o equilíbrio das contas públicas será automática mesmo com crescimento económico nulo. O único risco nesta área está em o nosso governo deixar que o sucesso lhe suba à cabeça e começar a fazer a despesa pública crescer a uma taxa superior à taxa de inflação. Nesse caso o déficit, e a dívida pública, voltarão a crescer mas, por motivos apresentados a seguir, isso será um problema menor e uma coisa fácil “de se ir gerindo” (fácil quando há inflação, um pouco mais difícil quando há estabilidade nos preços).

5 Sustentabilidade da dívida pública: outro ganho notável que a inflação nos trás é transformar a nossa dívida pública de insustentável em sustentável. Bastam dois anos com uma inflação de 40% (ou quatro com uma de 20%), crescimento económico real nulo e orçamento equilibrado para o valor real da dívida se reduzir em cerca de metade e para o rácio da nossa dívida pública/PIB passar de 133% para cerca de 68% (melhor que os 69% que a Alemanha conseguiu em 2021).5Mais! Para não deixar cair o nosso rácio dívida pública/PIB abaixo dos atuais 133% o nosso governo teria de conseguir déficits orçamentais gigantescos y galopantes, incrivelmente pantagruélicos, numa escala que desafia a nossa crença na capacidade despesista dos governos do ps/d.6

6 Sustentabilidade da segurança social: quanto maior for a taxa de inflação mais sustentável será a nossa segurança social e insegura a nossa vida. Isto deve-se a as contribuições crescerem automática y rapidamente quando há inflação, enquanto os desembolsos com pensões & reformas só aumentam de acordo com decisões discricionárias do governo. Com uma inflação anual de 40%, se o governo quiser, pode em pouco tempo tornar a segurança social numa galinha que põe ovos de ouro e que contribui para o equilíbrio orçamental, bastando para isso não atualizar as reformas (ou fazendo atualizações a uma taxa substancialmente inferior à da inflação). Atualizar as pensões a uma taxa igual ou superior à taxa de inflação equivaleria a matar a galinha.

7 Aumento da produtividade e dos lucros no setor privado: com inflação a produtividade e os lucros no setor privado aumentarão exponencialmente em termos nominais. Por exemplo, uma empresa que agora produz por 100 e vende por 200 tem lucros antes de impostos de 100. Após dois anos com inflação de 40% ao ano poderá produzir o mesmo stuff com um custo de 200 e vendê-lo por um preço de 400, obtendo um lucro de 200. Como é obvio, €200 daqui a dois anos comprarão a mesma quantidade de cerveja que €100 hoje, mas não faltarão elogios das associações de industriais, patronais & afins à superior clarividência das políticas económicas do nosso governo. Este exemplo assume que tudo, custos e preços, crescem à taxa de inflação. No entanto, é certo e sabido que todo o gestor chico-esperto não deixará de fazer aumentos nos preços do seu stuff de 60% quando a inflação é de 40%, ou será que não estamos em Portugal? Já alguém se deu ao trabalho de comparar o preço da manteiga agora com o de Fevereiro?

8 Empobrecimento de largos segmentos populacionais: mas o efeito mais positivo de uma elevada inflação será o rápido empobrecimento de vastas classes sociais, o consequente aumento da sua dependência do estado e o decorrente crescimento do suporte aos partidos do governo. Quem vai empobrecer com uma elevada inflação? Todos os detentores de dívidas do estado incluindo:

  1. os pensionistas, que manterão as suas pensões em termos nominais, mas que verão o seu valor real desaparecer. Se uma cerveja custar hoje €1, uma pensão de €500 dá para comprar 500 cervejas. Se o preço das cervejas crescerem a 40% ao ano, ao fim de dois anos €500 darão para comprar 255 cervejas e ao fim de dez anos 17 (exatamente: dezassete!).
  2. Todos os detentores de títulos da dívida pública, incluindo aqueles que detêm fundos de investimentos y afins que incluam nas suas carteiras títulos da dívida do nosso estado.

Para além destes também empobrecerão todos aqueles tugas que são detentores de rendimentos que por algum motivo, inclusive legal, são fixos ou sticky:

  1. Todos os proprietários de imóveis, urbanos ou rurais, que gozem do título nobiliárquico de senhorio e que não poderão aumentar as rendas à taxa de inflação.
  2. Todos os trabalhadores por conta de outrem que por algum motivo não possam ou não queiram emigrar e cujas empresas entrarão em incumprimento e irão à falência se tiverem que aumentar os salários à taxa de inflação.

Finalmente empobrecerão todos aqueles que tiverem as suas poupanças em dinheiro ou depósitos bancários, à ordem ou a prazo ou com qualquer outra denominação comercial mais fancy. Note-se que nada disto é culpa do nosso governo, mas do BCE, que é o condutor da nossa política monetária e o guardião da integridade do nosso euro e que tem todo o apoio do nosso governo na prossecução da sua política inflacionária.

9 Dolarização da nossa economia: com elevadas taxas de inflação o euro deixará de cumprir uma das funções da moeda: reserva de valor. Quando uma moeda deixa de cumprir as suas funções, seja ela o cruzeiro, o escudo ou o euro, as pessoas passam a evitar usá-la e, especialmente, a detê-la, e procuram alternativas. Hoje em dia alternativas não faltam e o seu uso está cada vez mais facilitado. A grande questão será se daqui as uns anos as pessoas escolherão o dólar americano ou o rublo russo, isto é, se, entretanto, o marco alemão não reaparecer. Uma das grandes vantagens com a dolarização da nossa economia é que já não teremos que ir banco comprar dólares de propósito (e sofrer as comissões e os spreads vergonhosos neles praticados) sempre que queiramos ir ao nosso alfaiate em New York.

Para além destas, outras vantagens da inflação existirão, mas para não inflacionar mais este artigo ficamos por aqui. Valerá só a pena referir que o projeto do euro nos foi vendido como sendo o de uma moeda séria que iria substituir a choldra que eram a lira, o franco e o escudo. Durante uns vinte anos a coisa funcionou mais ou menos como prometido, mesmo quando gerida por um italiano. Valerá a pena que os dirigentes do BCE tenham presente que hoje em dia já ninguém quer, nem no sótão, nem na cave, gadgets que não funcionam, seja carros que não andam, frigoríficos que não conservam o frio ou televisões sem imagem. Para que quereriam elas uma moeda que não conserva valor?

Us avtores não segvem a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreuem coumu qverem & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

[Nota fynal] Para os que julgam que nunca teremos uma inflação anual de 40% com o euro & que por isso os números e argumentos aqui apresentados são exagerados sugere-se que considerem o seguinte: com uma mísera inflação anual de 10% perdemos, ipso facto, 1,4 meses de salários, o equivalente ao subsídio de férias e quase metade do subsídio de Natal. Irrisório, não é verdade? E onde está a cgtp?

  1. Inflação: crescimento desmesurado de algo; divide-se em cósmica, corporal e monetária, referindo-se à expansão do espaço para fora do seu limite primitivo, do corpo para fora da roupa e dos preços para fora do razoável; segundo a teoria da relatividade a inflação cósmica é produzida por um falso vácuo de energia positiva; a corporal deve-se a um verdadeiro vácuo no estomago e a monetária a um verdadeiro vácuo na vontade do BCE e dos governos europeus em zelar em prol do bem-estar dos cidadãos, especialmente dos economicamente mais débeis.
  2. A relação aproximada é: taxa de crescimento nominal = taxa de crescimento real + taxa de inflação. A relação exata é: (1+taxa de crescimento nominal) = (1+taxa de crescimento real) x (1+taxa de inflação).
  3. Nosso: aquilo que pertence a todos, mas que não é de ninguém; aquilo por que todos pagamos, para não ser usado por ninguém, ou só por muitos poucos e muito escolhidos.
  4. Progressividade: o que faz diminuir, decrescer, atrasar, deformar, afear e empobrecer; aquilo que os progressistas defendem e objetivo pelo qual lutam.
  5. O stock de dívida (na ótica de Maasterich) era, em Junho de 2022, de €280 mil milhões. Assumindo um orçamento equilibrado (com aumento líquido da dívida nulo) durante os próximos dois anos este stock manter-se-á inalterado durante esse período (280x(1+0)2=280). Supondo um crescimento económico real nulo e taxa de inflação de 40% durante os próximos dois anos, o PIB nominal passará de €211 mil milhões em 2021 para (211x(1+0,4)2=) 414 mil milhões em 2023. O rácio passaria, portanto, de 133% agora para 68% em 2024.
  6. Continuando com as assunções do exemplo anterior, a dívida pública teria de aumentar para 392 e 549 mil milhões de euros em Junho de 2023 e Junho de 2024, respetivamente, o que obrigaria a deficits orçamentais de 112 e 157 mil milhões em 2022 e 2023. Para ter uma ideia da enormidade destes números repare-se que a despesa pública foi em 2021 de uns meros 102 mil milhões de euros: para conseguir um déficit de 112 mil milhões este ano as despesas teriam de crescer 10 mil milhões de euros este ano, o que até não é muito difícil, e as receitas totais do ano não poderiam ultrapassar os €0 (zero euros), o que é impossível.