Deixa-me dizer-te umas coisas sobre os nossos políticos e governantes. Eles são diferentes de nós, de tu e de mim. Eles mandam e dispõem como querem desde que os pais os filiaram numa juventude partidária, e isso transforma-os, torna-os mais suaves onde nós somos firmes e torna-os cínicos naquelas coisas em que nós confiamos, de tal maneira que, a menos que tenhas nascido filho de político, é muito difícil entender. Eles pensam, lá no fundo dos seus corações, que são melhores do que nós porque nós tivemos que descobrir por nós próprios os prazeres, as compensações e os refúgios da vida. Mesmo quando eles entram no nosso mundo ou, devido a algum escândalo, se afundam abaixo de nós, ainda assim pensam que são melhores do que nós. Eles são diferentes.1

Os nossos políticos2 & governantes gostam muito de nós. Estão sempre a pensar em nós, nas nossas dificuldades e nos nossos anseios. Na sua competência técnica, na sua solidariedade, e em tudo, são-nos superiores, mas não nos deixam nunca sozinhos, não nos abandonam neste mundo cruel. Como sabem que somos uns desgraçados e especialmente incapazes de tomar conta nós, gastam grande parte da sua vida a protegerem-nos dos gananciosos, dos exploradores e de nós mesmos.

Se arranjamos trabalho numa empresa, os nossos governantes fazem com que cerca de metade do dinheiro que o empregador gasta connosco lhes seja entregue, seja através dos serviços de finanças, seja através da segurança social, para o gerir e gastar por nós, para nossa própria proteção, não vá acontecer que, imprevidentes que somos, não poupemos nada para a velhice, ou que gastemos tudo em coisas inúteis ou nocivas.

Se as empresas, por ganância, motivo que não escapa aos nossos políticos, alegam espuriamente e sem compunção3 que não conseguem comportar esses custos salariais, não só aquilo que nos chega ao bolso, mas também o outro tanto que vai para os cofres do estado, e nos dizem que, o custo para nos empregar é alto mas o salário é baixo, os nossos políticos vêm logo em nossa ajuda e repõem a equidade aumentando, por decreto-lei, o salário mínimo nacional.

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Se, depois, as empresas acabam por não nos oferecer emprego, mas apenas trabalho como profissionais independentes e a recibos verdes, a Autoridade para as Condições de Trabalho entra logo em campo e informa esses profissionais que se encontram numa situação que pode configurar uma ilegalidade e comunica às empresas de que têm um alargado período de duas semanas para regularizarem a situação laboral desses profissionais, isto é, para os enquadrarem4.

Aqui chegados surgem três possibilidades.

  1. Ou os ditos profissionais são enquadrados e as empresas passam a pagar aproximadamente o dobro por sensivelmente a mesma quantidade de trabalho, o que aumentará a sua produtividade e competitividade.
  2. Ou os mesmos profissionais perdem o trabalho, deixam de passar recibos verdes, e contribuem para a sustentabilidade orçamental da nossa Républica não tendo direito a receber qualquer apoio da segurança social para a qual contribuíram durante anos a fio através da sua carreira contributiva como profissionais independentes. Resta-lhes imigrar para a Espanha ou Alemanha, para integrar a base da pirâmide salarial local, onde irão ganhar o dobro do que estavam habituados, um desenvolvimento que demonstra o sucesso das políticas educativa e tecnológica dos nossos governos5 que, com as suas políticas, prepararam os melhores profissionais do mundo.
  3. Ou se tornam empresários, criam uma empresa e, deixando de passar recibos verdes passam a apresentar faturas aos seus antigos patrões, contribuindo assim para o florescer do empreendedorismo nacional. E, ó felicidade das felicidades, passando a ter interações ainda mais frequentes com os serviços das finanças e da segurança social.

Que faríamos nós se os nossos políticos não fossem os nossos anjos da guarda, pensassem por nós e nos protegessem dos nossos piores instintos? Certamente disparate.

Que seriamos de nós sem eles, que parecendo-se tanto connosco, são tão diferentes de nós, tão sábios, solidários, competentes, e que são sempre tão bons para nós? E ainda há quem queira alterar este status quo6 em que atualmente florescemos?

Us avtores não segvew as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as du antygu. Escreuew covmv qverew & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Pe. Mário Centavo, no ensaio “Os Boys”, in Opera Omnia, vol. 42. Cf. com F. Scott Fitzgerald (1896-1940), “The Rich Boy” (1925).
  2. Político:classe zoológica de que fazem parte o passarão e vários tipos de invertebrados e parasitas; verme que vive na lama que cobre a superestrutura societária; parasita que quando se contorce confunde a própria vibração com a da estrutura social que, enquanto a ardor da comichão é sofrível, o suporta; sanguessuga fiscal e cuco empresarial; comparado com o estadista tem a desvantagem de ainda estar vivo.
  3. Compunção: sentimento avinagrado que compete ao estomago7, não à consciência, digerir.
  4. Enquadrar: inserir dento dos limites de um quadro; quadratar.
  5. Governo: instituição encarregue de subsidiar problemas, e quem os cria, de modo a assegurar que não são resolvidos; grupo seleto de pessoas, geralmente políticos, escolhidas para o desgoverno da nação & do seu próprio governo; divindade laica que, tal como Cronos na mitologia grega, devora os seus filhos; é constituído por aspirantes a cargos na Comissão Europeia; deidade secundária em países socialistas—subordinada ao partido, que é o deus todo-poderoso; deus que suga o sangue dos governados e que requer a sua imolação ritual em sede de irs, irc, iva e outros altares tributários, sendo que a carne das vítimas deve ser consumida ou pelo fogo ou pelos sacerdotes partidários; em períodos obscurantistas pensava-se o governo era do país e da a nação, e que estava ao seu serviço, mas estudos científicos recentes, realizados no âmbito do materialismo dialético, demonstraram que o contrário é que corresponde à natureza das coisas.
  6. Status quo: expressão clássica, erudita e latina para “esta merd8 [em que estamos]”.
  7. Estomago: órgão que digere o alimento destinado ao sustento de todos os outros órgãos, incluindo o da consciência; daí a máxima do Pe. Mário Centavo, “o estomago é o sustentáculo não só da alma, mas também da consciência” (Opera Omnia, vol. 24).
  8. Merd: expressão anarca para subproduto da digestão humana; (informal) caca; (infantil) cocó; (médico) fezes, matéria fecal; (castiço) enfado, excremento; (popular) merda; (chines) fèn 糞.