Não é fácil escrever uma crónica sobre temas europeus. Os assuntos estão distantes do dia-a-dia e é fácil perdermo-nos em questões académicas. Ainda assim, já que temos “cidadania europeia” (categoria expressamente consagrada no Tratado da União Europeia e acrescentada na sequência do Tratado de Lisboa, de 2007), que nos dá o direito – e, mais do que isso, a responsabilidade – de interferir nos assuntos europeus, penso que há certos temas a que não devemos fugir, por mais áridos que nos pareçam, até porque há situações em que o cumprimento da legislação europeia pode ter impactos muito sensíveis nos assuntos nacionais.
Por exemplo, um dos “produtos” que estão em “leilão” nesta campanha legislativa é o aumento do salário mínimo (ou retribuição mínima mensal garantida – RMMG), já que há mais de 800 mil beneficiários da medida, segundo dados de 2023 do Ministério do Trabalho. Pedro Nuno Santos prometeu já (obviamente) um aumento para mil euros – ainda que tenha feito a promessa sem conhecer o valor atual, o que me fez lembrar Guterres em 1995, quando defendeu um aumento em três anos da pena máxima por tráfico de droga, mas não sabia qual era a pena máxima já em vigor.
Por que razão há salário mínimo decretado pelo Governo? Nem todos os países da União o têm – Itália, Finlândia, Suécia, Dinamarca e Áustria são países sem salário mínimo por decreto. Nos Estados-membros em que há salário mínimo (a maioria), a ideia-base é a de impedir que o trabalhador seja “explorado” pelo empregador, o que só acontece quando este pode pagar mais, mas não quer, mantendo o nível de vida do trabalhador abaixo de um padrão razoável de subsistência.
É fácil a Pedro Nuno Santos prometer mil euros de salário mínimo – por que não mil e quinhentos? Afinal, já Costa o fez, com proveito. Basta um decreto do Governo. Mas Pedro Nuno Santos deveria assumir que, se uma empresa não tiver capacidade de suportar esse aumento, deverá ser considerada ineficiente; se uma empresa for ineficiente, deverá reestruturar-se (eventualmente despedindo) ou fechar.
Sabemos que Pedro Nuno Santos nunca terá essa coragem. Pelo contrário, vai decretar o aumento e subsidiar sub-repticiamente as empresas, à custa dos restantes contribuintes, para as ajudar a suportar esse aumento. Foi o que fez Costa. Se o leitor googlar “compensação ao aumento do valor da retribuição mínima mensal garantida” terá acesso à plataforma do IAPMEI que permitiu às empresas registar-se para receber um subsídio pecuniário na sequência do último aumento.
O salário mínimo, para cumprir a sua função social, deveria aumentar em função do incremento da produtividade das empresas. Se um candidato, para ganhar eleições, promete aumentar o salário mínimo, então que enfrente as consequências de possível desemprego. A economia ajustar-se-á. Pelo contrário, se recorrer a subsídios, estará a apoiar empresas privadas ineficientes.
Ora, neste ponto é muito relevante a legislação europeia. O artigo 107 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (antigo Tratado da CEE) proíbe, salvo exceções bem delimitadas por legislação secundária e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, as ajudas de Estado a empresas privadas.
Entende-se que, se uma empresa receber um subsídio ou uma ajuda de Estado, a mesma será capaz de vender os seus produtos ou serviços a preços mais baixos do que uma empresa competidora que não tenha recebido esse benefício. A proibição de ajudas de Estado é assim um pressuposto do estabelecimento de um mercado comum ou único.
Para além disso, com esta proibição europeia pretende-se forçar, ou pelo menos incentivar, os Estados a gastarem os escassos recursos públicos de uma forma eficiente.
Há muitas situações em que a União é a tábua de salvação de Portugal do populismo socialista – e por isso o PCP e o Bloco a odeiam –, e esta é uma delas. Controlar as ajudas de Estado é um dos poderes mais importantes da Comissão Europeia.
No entanto, a União é grande. A Comissão tem de tomar conhecimento das infrações para poder investigar e atuar. É preciso colocar certos assuntos na agenda. Não é fácil, mas, entre outros, os deputados portugueses do Parlamento Europeus que de facto defendam o liberalismo económico previsto nos Tratados – no sentido do estabelecimento de uma concorrência salutar que possibilite um melhor serviço aos consumidores – estão numa posição privilegiada para o fazer.