O primeiro-ministro português, ao discursar no dia 4 Junho 2022, em Vila Real de Santo António, na sessão de abertura do 18.º Encontro Nacional de Associações Juvenis (ENAJ) – Fórum Nacional “Ativar Mais”, apelou às empresas portuguesas para que “contribuam para um esforço coletivo de aumento dos salários dos portugueses, para que haja ‘maior justiça’ e os salários médios em Portugal possam aumentar 20%”.

Ora, este apelo enferma — parece-me — de um conjunto de equívocos sobre os quais importa reflectir e esclarecer.

Antes de mais, é importante recordar que as empresas remuneram o factor trabalho em função da sua produtividade, sendo, em primeiro lugar, da evolução desta última que dependem futuros aumentos salariais. Ora, sabendo-se dos fracos progressos da produtividade em Portugal, não apenas no presente mas também se historicamente considerados, fica claro que se as empresas portuguesas não pagam salários mais elevados é porque não podem, e não porque não queiram, como as palavras do primeiro-ministro poderiam fazer depreender.

Na verdade, não apenas não me parece avisado que o primeiro-ministro venha pedir às empresas portuguesas para fazerem algo que o Estado não está a fazer com os seus próprios funcionários – dado que o exemplo deve vir de cima –, como me parece também que o Estado não o faz por boas razões, as quais, de resto, também subjazem às empresas. E quais são essas razões? Pois bem, são razões que qualquer estudante do primeiro ano de economia bem conhece desde muito cedo: os salários estão, em primeiro lugar, ligados à produtividade do trabalho, e, em segundo lugar, à inflação, quando exista desvalorização real da moeda.

Ora, o primeiro-ministro não especificou em qual destas razões estava a pensar quando pediu às empresas para fazerem “um esforço” para aumentarem os salários. Porém – e infelizmente –, o único daqueles dois factores que tem tido uma evolução que justifique tamanho pedido é a inflação, e não a produtividade (para que esta última evolua mais favoravelmente são precisas as reformas estruturais de que o país tem andado arredado nos últimos anos), pelo que se supõe que terá sido a inflação a inspirar estas palavras do primeiro-ministro.

A ser a inflação, porém, estaremos a falar de aumentos salariais extraordinários para compensar a perda real de poder de compra que os trabalhadores estão a sofrer no actual contexto em que aos efeitos das disrupções nas cadeias de distribuição devidos à pandemia se somam agora as – sempre – devastadoras consequências económicas da guerra. Mas, como sabemos, no – recentemente aprovado – Orçamento de Estado para 2022 não constam tais aumentos salariais para a função pública, pelo que, muito provavelmente, o que o primeiro-ministro nos estará a transmitir é que em breve teremos um orçamento rectificativo para contemplar essa despesa adicional. De facto, só assim se compreende este apelo às empresas para fazerem um esforço (orçamental) que o Estado (ainda) não fez.

A não ser que a verdadeira intenção do primeiro-ministro com este “fait-divers” seja desviar as atenções da inflação – problema económico conjuntural mais agudo da actualidade. Como é sabido, a inflação atinge seriamente os mais pobres na sociedade, ao mesmo tempo que – por via dos estabilizadores automáticos – maximiza as receitas do Estado. Seria por isso tempo de reforçar a política social do Estado, aumentando as transferências para os mais desfavorecidos — e que mais sofrem com o fenómeno inflacionista — ao mesmo tempo que, beneficiando de receitas recorde nos cofres do Estado, seria também – finalmente – o tempo para aumentar os apoios às empresas eficientes, nomeadamente por via da diminuição da carga fiscal, por forma a permitir o reforço da sua capacidade competitiva. Empresas mais competitivas e produtivas pagam melhores salários, sim, não para fazer “favores” ao primeiro-ministro de um qualquer país à beira-mar plantado, mas porque é esse o seu racional económico.

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