Em Portugal a discussão em torno do tema da austeridade centra-se na sua forma mais básica em argumentar se ela virá ou não. Variações mais refinadas sobre a mesma controvérsia debruçam-se acerca do momento em que a austeridade irá chegar e polemiza-se em tom cínico a respeito da sua inevitabilidade.
A discussão serve a políticos para fazerem as suas profissões de fé e multiplicarem-se em declarações mais ou menos convictas a propósito do assunto. A matéria presta-se depois a variadíssimas análises na imprensa e a prolixos comentários nas tvs e rádios. No Facebook, Twitter e blogosfera dá pano para mangas para o aliviar de estados de alma e alguma revisão da matéria.
Lamentavelmente todos parecem ter interiorizado que a austeridade é má e prejudicial. Além disso entendem que, a existir ou ocorrer, tal acontecerá não por vontade própria, mas pela força das circunstâncias ou pela imposição de terceiros.
É por isso uma dupla tragédia. Por um lado, o rigor, a temperança e a sobriedade deixaram de ser valores a ter presentes nas nossas vidas. Por outro lado, entregamos a gestão das nossas coisas ao comando de outros, negando-nos autonomia e individualidade. É um misto de deslumbramento e infantilidade. E um abdicar da liberdade. Mas é também um egoísmo desmedido e uma falta de respeito por quem nos sucederá neste mundo pois a austeridade é a única via para o crescimento futuro.
Ao contrário do sonho socialista no qual é de somenos importância ficarmos todos pobres se, em resultado disso, se construir um mundo novo igualitário, as pessoas que vivem no mundo real querem usufruir de mais conforto e bem-estar, gozar de consumo acrescido e de melhor qualidade dos produtos a que têm acesso, assim como ter segurança e meios de poder acudir a desvalidos e ajudar os que lhes são próximos e possam vir a enfrentar dificuldades.
Talvez mentes destrambelhadas prefiram negar a realidade de que décadas sucessivas de despesa pública acrescida nos tenham levado a várias bancarrotas e a um crescimento anémico e pusilânime.
Todavia, não há volta a dar: aquilo que o Estado gasta, ou é retirado coercivamente dos contribuintes ou tem origem em empréstimos de quem poupa. São vasos comunicantes: um euro a mais de despesa pública é um euro a menos do sector privado. E a não ser que o leitor considere que o seu dinheiro é mais bem aplicado pelos políticos e não por si próprio, quanto mais dinheiro estiver do lado do Estado, menos eficiente é a alocação de recursos e, portanto, menor o crescimento da economia.
Que fique bem claro: austeridade não é aumentar impostos, é reduzir despesa pública. E ao contrário do que muitos afirmam tal tem dividendos políticos e eleitorais.
Porque a austeridade não é castradora nem um juízo crítico sobre a forma como cada pessoa usa os recursos de que dispõe, nem sequer uma intromissão nas prioridades que cada um faz entre consumo, poupança e investimento. A austeridade é a forma de responsabilizar cada um pelas suas escolhas, dando liberdade de escolha e autonomia de decisão.
Dado o grau de delírio por que passamos ao deixar crescer o nosso stock de dívida pública a níveis acima dos 120% do PIB, o desmame da alucinação não será fácil, mas será certamente compensador podermos vir a olhar-nos de novo ao espelho e vermos pessoas adultas que não sequestraram o futuro dos próprios filhos e netos.