Portugal é um dos países mais antigos do mundo, com a vetustez de uma existência de quase 881 anos desde a nossa fundação, inúmeras tradições ou marcas culturais se foram impregnando no coletivo social que compõe a nação portuguesa. Uma dessas marcas inequívocas é Luis Vaz de Camões.

A figura camoniana congrega um vasto leque de contribuições para a Portugalidade que o torna baluarte do Estado. É nele que comemoramos e exortamos a nossa língua portuguesa, que é falada por 260 milhões de pessoas, aproximadamente 4% do mundo, segundo dados do Instituto Camões.

Mas é também através da figura de Luís de Camões que exploramos o “sentir português”, a identidade nacional e claro está o sentimento de pertença pátrio e de comunidade que garante ao poeta nascido em 1523 um lugar de apoteose no altar de principal símbolo da nação portuguesa.

Percorrendo de forma muito sucinta a cronologia dos tempos, percebemos que como todas as tradições ou marcas culturais, todas têm um início. A ideia de Camões como símbolo surgiu com força no fim do século XIX no ocaso do regime constitucional monárquico e elevação inicial do movimento republicano que na época se manifestava totalmente nacionalista (um sentimento que aumentou com a questão do “mapa cor-de-rosa).

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É Teófilo Braga, que faz parte da primeira geração de republicanos e chegou a 2º Presidente da República Portuguesa (1915), e que foi precursor das ideias do positivismo de Auguste Comte, que planeou a ideia de “dessacralizar” os símbolos nacionais, ou seja, teve a intenção ainda no século XIX de mudar os símbolos religiosos por símbolos laicos. É assim que nasce a ideia de Camões como símbolo nacional. Também ajudou o facto de que em 1880 perfazer 300 anos da morte do autor dos “Lusíadas”. O próprio Teófilo Braga chegou a escrever que era mais fácil os portugueses serem identificamos no estrangeiro como tendo nascido na pátria de Camões do que dizerem que tinham nascido em Portugal.

Portanto mais do que um símbolo nacional, a figura de Camões é um símbolo da República vertida nos seus ideais, o que tornaram o homem, um “santo” da pátria. O 10 de junho (dia hipotético da sua morte) é atualmente a prova disso. O dia de Portugal, de Camões e das comunidades, teve já vários nomes, inúmeras formas de comemoração e passou por três regimes diferentes, mas ao contrário da grande parte dos países é no dia em que “morre” Camões que comemoramos Portugal e não no ano de 1143 da fundação, no 5 de outubro Republicano ou no 25 de abril de 1974. Este é um facto muito interessante da Portugalidade, e apesar de tudo para além de tradição, é uma novidade progressista!

É pena que as notícias que se ouvem sejam que o Estado e este governo demissionário Socialista tenham desmerecido a data redonda dos 500 anos do nascimento do símbolo maior de Portugal! Existe uma resolução do Conselho de Ministros de Maio de 2021 que determina a criação de estruturas que permitam elaborar um programa digno de Camões, mas ficou tudo no papel. Como foi hábito nestes últimos 8 anos. No último fim de semana do ano o governo “mal e porcamente” inventou a criação apressada de um comissariado para o efeito, mas mais uma vez é tudo areia para os nossos olhos, porque a verdade é que o Orçamento do Estado de 2024 não contempla nenhuma rúbrica para os 500 anos de Camões.

É pena que o Governo da República Portuguesa se tenha esquecido de Luís Vaz de Camões!

Causa para fazer o exercício óbvio: Qual seria a epopeia que Camões escreveria sobre o Portugal de hoje?

A Epopeia das horas de espera nos hospitais? A Epopeia das disciplinas sem professores nas escolas? A Epopeia de esticar o salário até ao fim do mês ou a Epopeia que é arranjar habitação em Portugal? Não sei qual é que ele escolheria, talvez escolhesse todas. Se calhar também foi por isso que o governo de maioria demissionário, se esqueceu de Camões!

No trecho do poema “Esparsa ao desconcerto do mundo”, Camões ecoa pelos tempos para nos falar da nossa realidade:

“Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.”

Pessoalmente não me quero esquecer de Luis Vaz de Camões. Muito pelo contrário, quero comemorar a figura, o homem, o poeta, a língua e gostava, acima de tudo, que se comemorasse a Língua Portuguesa e se envolvesse toda a CPLP. A presidência da república tem aqui uma palavra a dizer.

Espero mesmo que se unam esforços para que este país respeite um dos nossos maiores! A pessoa merece, mas a cultura e a língua assim o exigem.