Costumo sonhar que compro casas. Passo as noites a visitar mansões à beira-mar. É sempre um dia de Primavera, estático, quase sempre a mesma falésia na estrada que vai até Santa Barbara. No sonho, penso sempre que me parece o Alentejo, não sei onde estou, mas sei que estou longe. Uma das casas entra pelo mar dentro e tem uma piscina aberta ao horizonte. Outras moradas de sonho são casas onde vivi, agora ruínas, labirínticas. Ou lagos artificiais com vista para rios. Ou prédios inteiros em ruas onde há jacarandás. Ou a casa cinzenta que lembra Brasília.

Quem me vende as casas, nos sonhos, são pessoas que conheço, mas com as quais tenho pouca confiança. O dinheiro nunca é o problema. Problema é perceber se prefiro o quartinho que fica no tecto, dentro da despensa, ou a penthouse onde cabe uma exposição de móveis, na qual é suposto que passe a viver rodeada de cozinhas-modelo. Não são sonhos em que sou estupidamente rica. Apenas nesta categoria de sonhos nunca existe o conceito de dinheiro e, embora se negoceie, nunca me chego a mudar para as casas novas.

Acordada, questiono a inquietação que determina este sonho recorrente. São sempre as mesmas casas, sempre os mesmos vendedores, sempre a mesma angústia de não saber qual devo escolher — e depois acordo.

Vou a caminho de duas dezenas de moradas reais desde que nasci. Aprendi a mudar cada vez mais depressa, há coisas que já sei fazer de olhos fechados. Morre um pouco de mim nas casas velhas, ou, se calhar, deixo um pouco de mim em cada uma. Questiono-me sobre esta carreira de arrendamentos. O que daremos aos lugares que nos deram guarida temporária? O que significa arrendar uma casa? Sucessivos inquilinos e sucessivos modos de vida, uma série de anos. Será que alguma coisa passará de uns para os outros, que alguma coisa se transmite aos que vão ocupando um mesmo espaço? Gosto de imaginar esse fio chamado a mesma casa a prender a vida de muitas pessoas diferentes. Encontro pessoas que já viveram nas casas onde fui vivendo. Dizem-me se ali foram felizes como se o que ali viveram fosse promessa de felicidade para inquilinos vindouros.

Penso nas minhas casas depois de adulta: são todas diferentes, mas são todas a mesma. À medida que ganho experiência em mudar, torna-se mais fácil reconstruir na casa nova a impressão de que é nossa, e assim parecer que a habito há muito, embora tenham passado poucos meses.

Um amigo aconselhou-me a conversar com a minha casa, se me sentisse aflita, a pedir-lhe ajuda: “Ajuda-me casa, dá-me força, guia-me”. Detenho-me na possibilidade dessa conversa, quase uma oração, entre a pessoa e a casa onde vive, pouco importa se a casa é sua ou não. Fixo-me na pessoa aflita, que conversa com as paredes como se conversasse com uma amiga, ou com um cão, ou com um padre, ou com uma professora, ou com uma avó. Sou tomada pela beleza desse momento entre inquilino e apartamento. Em que parte da Constituição caberá a possibilidade desta conversa da pessoa com a sua casa, que em muito ultrapassa o direito à habitação, mas está nele contida e prometida? Ruy Belo descreveu o remate desta conversa de surdos, quando chamou às casas “mudas testemunhas da vida”. A casa, como um livro, não responde. E, contudo, talvez as casas sejam soberanas, e uma parte do seu espírito infunda mesmo a vida de quem nelas vive. E elas respondam, quem sabe, não por palavras, mas por gestos, e nos protejam, se tivermos sorte, até quando não são nossas.

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