Num tempo em que há tanto ruído, tantos artigos, tantas opiniões, sobre todos os detalhes da vida, em que todos parecem ter opinião convicta sobre tudo quanto há, em que um descarado se atreve, sem sobressaltos, a dizer uma coisa e a afirmar o seu contrário; num tempo em que não é preciso saber coisa nenhuma, ou ter provas dadas para se ter uma legião de seguidores nas funestas redes; num tempo em que cada um apenas estima a sua própria opinião e manifesta, despudoradamente, sincera indiferença, quando não desprezo profundo, por opiniões diversas, fundamentadas ou não… Neste tempo, em que aquilo que as coisas são importa tão pouco, como dizer delas o que elas realmente são, já que elas serão o que cada um bem entender…, pareceu-me sempre muito pouco útil, irreflectido e até imprudente juntar a minha, à opinião das legiões de publicadores implacáveis.
Esta quarentena fez-me voltar a pensar nisto, mas, o outro dia, dei por mim a pensar que escrever e publicar a própria opinião pode ser um acto de profunda humildade, dada a aparente inutilidade a que a indiferença e desprezo das massas, em rebelião constante, votará qualquer opinião que não entenda, não concorde ou aborreça.
Acresce que uma pessoa que se atreva a publicar seja o que for é imediatamente posta na ordem por essa falange de comentadores que, com a mesma autoridade com que julgam uma jogada de futebol, grunhe insultos a partir das caixas de comentário dos jornais, ou das ditas redes, fazendo ver ao atrevido e insolente que: opinião, cada um tem a sua, mas certa há só uma, a politicamente correcta! Sem ironia…
Ser insultado com grunhidos capazes de fazer esquecer, por alguns instantes, um passeio à ala dos primatas do jardim zoológico, é uma carga que julgo poder suportar com bastante brandura e até humor; o que me custa e entristece é olhar à roda e não ver ninguém que queira conversar…!
Um dos disparates mais evidentes do mundo moderno é, precisamente, o irritante desprezo que temos pelas conversas, por discutir, por elevar os diálogos, as divergências, dissecando-as em análises frias, com distância, lógica e objectividade, apresentando razões, querendo ganhar, mas pela Verdade e com a Verdade.
A maldade intrínseca que caracteriza a ditadura do politicamente correcto manifesta-se, precisamente, na dissolução a pouco e pouco, à força de mentiras e à custa da Verdade, da liberdade de expressão, num movimento subtil, mas contínuo, que se consolida numa insuportável restrição à liberdade de pensar.
Voltando ao princípio. Se não puder falar, se escrever, publicar e discutir em público não servir de nada, perante a agressividade iconoclasta das massas silenciadoras, de que nos serve a liberdade de expressão?
Enxovalho após enxovalho, vamos perdendo o entusiamo por exprimir livremente o que vemos, ouvimos e pensamos e, assim sendo, acabamos por perder o sentido de poder pensar livremente, pois o que pensamos pode já estar irrevogavelmente proscrito do dogma da tolerante sociedade aberta.
Dirão: a que vem tudo isto? Nada de especial, apenas serve de pretexto a uma brevíssima reflexão que queria partilhar com quem quiser conversar.
Voltei nesta quarentena a folhear, com tempo, a obra magistral de Agostinho de Hipona em que o Santo Bispo, a páginas tantas, denuncia: “Dois amores erigiram duas cidades, Babilónia e Jerusalém: aquela é o amor de si até ao desprezo de Deus; esta, o amor de Deus até ao desprezo de si.” (Santo Agostinho, A Cidade de Deus, 2, L. XIV, XXVIII).
Pensei: um dos dogmas da sociedade (naturalista) em que vivemos é o de que não podemos falar de Deus na praça pública. Nesta Babilónia em que o amor de si levou ao desprezo de Deus, banimos o sobrenatural (em que espantosamente deixamos mesmo de acreditar) e já não O admitimos nem sequer nas nossas discussões (como profetizou Augusto Comte).
Deus é uma ideia, forte, que condiciona todas as demais… há que bani-Lo!
Não O podemos aceitar, nem dar-Lhe lugar nesta cidade, não O podemos ter como critério, princípio ou fim, expulsámo-Lo das nossas organizações, da nossa economia, do nosso direito. Quem Nele crê e espera, que se reduza à sua insignificância, pois não podemos aceitar as razões dos que Nele fundam a sua mundividência.
Ora, parece-me precisamente que, perante o encontrão que o nosso mundo sofreu com esta história (mal contada) do Covid, um homem sensato, razoável e prudente se deve confrontar com uma realidade e um par de perguntas.
A realidade é a do gigante com pés de barro, que uma pequena pedra (como na profecia de Daniel) parece poder desmantelar com facilidade, confrontando-nos com a fragilidade das construções humanas e com a sua transitoriedade.
As perguntas: qual a finalidade de tudo isto? Da minha vida, da vida do mundo? Qual o sentido da vida, das suas glórias e das suas dores?
Será que temos de aceitar submissamente as filosofias do absurdo que nos ensinam que nada disto tem finalidade nenhuma? Nascemos, crescemos, comemos, morremos e…
Pois eu, acho que Deus tem muito a ver com isto tudo e gostava de nos ver, sem preconceito e sem medo, a conversar sobre estas coisas.
Post Scriptum: Dirão alguns, “o que é a verdade? Para ti não será o mesmo que para mim…” Antecipo a minha resposta, alinhada com a antiga lição: Verum est id quod est. A Verdade é a realidade, é o que as coisas são.