O que é uma cidade formatada ?

Resposta curta:

– É toda aquela que pretende ser demasiado disciplinada  e que caminha para que tudo seja proibido.

Resposta longa :

– Existe a tendência de tentar implementar nas cidades portuguesas a ideia de que a proibição quase asfixiante da  circulação automóvel vai “ devolver a cidade aos cidadãos ” .

Não importa o carácter das ruas e avenidas pois estas são desvirtuadas com excessivas marcações , estreitamentos de vias, pontaletes em abundância, tudo com o fim de inibir a velocidade dos automóveis e tornar os seus condutores mais ordeiros. A palavra de ordem é pois DISCIPLINA.

Os departamentos de trânsito das Câmaras Municipais são magnânimos na sua implementação de planos coloridos ( normalmente ficam bem no papel ) fazendo exaustivos projetos com  separação de tráfegos rígidos  entre pessoas e viaturas. Na maior parte das vezes a continuidade de circuitos  é esquecida.

É irrelevante se as ruas que têm habitações, serviços ou pequenos negócios adjacentes, contribuindo ao longo de décadas  para a personalidade urbana de determinado local, e que precisam de ter estacionamento de superfície para sobreviverem. Não se pode esquecer que são as RUAS que permitem lojas, habitações, e escritórios de coexistirem.

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Com tanto pragmatismo as ruas tendem a deixar de ser ruas e passam a ser simples canais de tráfego. Isto com o  argumento burocrático de “ acautelar o interesse do peão” . Também  em muitos casos com o pretexto de criar escoamento para o transporte público, que raramente atravessa o local. A eficiência do transporte público continua aliás insipiente como há 30 anos.  O tempo de atravessar a cidade do Porto desde o lado ocidental até ao lado Oriental, ou seja, entre a Foz do Douro e o Jardim de S. Lázaro, é o mesmo de há 30 anos para cá. Pouco mudou com o dito reordenamento, somente servindo para o processo de cosmética embalado em medidas de proibição e inibição.

O pragmatismo de quem decide leva a que o  interior das cidades se torne cada vez mais desertificado pois muito pouco  é feito,  em termos estruturais. Um simples exemplo; muitas cidades europeias  criaram nos seus núcleos mais densos,  bolsas de estacionamento no interior dos quarteirões para estacionamento a custo reduzido, e que facilita a acessibilidade e enraizamento dos habitantes mais próximos.

A proibição crescente provoca o esvaziamento de residentes e utilizadores da cidade a partir do seu interior urbano mais antigo e histórico.  As raízes que os ligam a esses lugares perdem-se.

Em 1960, o Porto tinha 303.000 residentes; entre 1991 e 2011, em apenas 20 anos, a cidade do  Porto passou a 230.000,  perdendo 70.000 habitantes.

Essa perca de população deve-se com certeza a diferentes factores mas não se pode negligenciar a ausência de  políticas ambiciosas para que se fomentasse o  enraizamento populacional  na cidade invicta.  Em sentido contrário foi a permissão da construção de oito mega shoppings na “Área Metropolitana do Porto”  nos últimos 30 anos. Algo impensável em qualquer cidade espanhola de dimensão equivalente. As actividades económicas, que são indispensáveis à efervescência de uma cidade, foram ficando cada vez mais debilitadas empurrando os cidadãos para as periferias. No caso do Porto, para Gaia ( hoje com mais população do que o Porto ; 300.000 ) e outras, como Maia , Matosinhos e Valongo.  Foi um golpe devastador para as actividades terciárias que atraiam as pessoas para o interior urbano.

Ruas do Porto como 31 de Janeiro ( com uma linha de eléctrico que matou todo o comércio local, implementada em 2001), ou a Rua do Almada (onde parar o carro é pecado e  impossível), Rua da Picaria, entre muitas outras , em que  o comércio e serviços dali saíram, tirando vida ao centro da cidade.

Fica-se com artérias de passagem e inócuas, aonde os  imóveis se vão deteriorando, nem a recuperação notável dos AL será suficiente. Resultou tudo num museu para turistas. Estes que talvez não percebam a razão de tantas montras abandonadas sem serviços próprios de uma cidade.

Para devolver vida ao centro das cidades é preciso devolver acessibilidades, não em forma proibitiva e custosa.  Como diz o provérbio anglo-saxónico: “ No parking no business” .  Nem que para isso implique haver  espontaneidade urbana. Ou a não intervenção drástica e pragmática .

O cidadão comum tem que sentir necessidade de ir ao centro da sua cidade para tratar não de um assunto, mas de vários. Não pode estar a ser constantemente inibido de isto e daquilo.

Como disse Platão em  “ A República” há 2500 anos;

“ – Uma cidade tem a sua origem, segundo creio, no facto de cada um de nós não ser auto-suficiente mas sim necessitando de muita coisa “.

Adiante Platão especifica melhor:

“ … Como é que a cidade bastará para a obtenção de tantas coisas ? Existirá outra solução que não seja haver um que seja lavrador, outro pedreiro, outro tecelão?

“ Acrescentar-lhe-emos também um sapateiro, ou outro qualquer artífice que se ocupe do que é relativo ao corpo?”.

Platão ainda acresce sobre a cidade:

“ – Fundar uma cidade num lugar tal que não precisasse de importar nada é quase impossível.  Precisará, pois, de outras pessoas ainda, que lhe tragam de outra cidade aquilo de que carece. “

Uma intervenção “ordeira” na cidade do Porto