No momento em que vivemos, enquanto país e sociedade, aquela que é, porventura, já a maior crise social da nossa história recente, a prioridade continua a ser a proteção das vidas humanas. Mas, para além disso, temos de começar a pensar e a decidir quais devem ser os próximos passos no combate a esta pandemia e como podemos evitar uma crise económica sem precedentes. E para isso, precisamos de um debate profundo e em sociedade.

Do ponto de vista económico, mais importante do que fazer qualquer previsão das consequências económicas e financeiras, é elucidar os cidadãos sobre o que já tem acontecido, tanto em Portugal como em outras partes do mundo.

Vejamos então alguns exemplos.

Nos Estados Unidos da América, a maior economia mundial, na semana passada, cerca de 6,65 milhões de pessoas entraram com novos pedidos de subsídio de desemprego, a acrescentar aos 3,3 milhões que já o tinham feito na semana anterior. Também na semana passada, o canal televisivo norte-americano MSNBC mostrava imagens de filas com centenas de carros de pessoas à espera para receber comida do banco alimentar, em Pittsburgh, tendo algumas famílias esperado até 5 horas para receber alimentos. Imagens que demonstram bem como esta crise de saúde pública se tornou também numa crise económica, tal como dizia a jornalista que apresentava a peça.

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A juntar a isto, um estudo da autoria do economista português Miguel Faria e Castro, que trabalha na divisão de investigação da Reserva Federal de St. Louis, prevê que, no pior dos cenários, o vírus poderá deixar 47 milhões de pessoas sem emprego e fazer disparar a taxa de desemprego para um nível histórico de 32,1%.

Na China, país onde o coronavírus foi detetado pela primeira vez, a produção industrial caiu uns consideráveis 13,5% nos primeiros dois meses do ano, quando comparado com o mesmo período do ano anterior, segundo dados do China National Bureau of Statistics. Para além disso, segundo o South China Morning Post, jornal pertencente ao grupo Alibaba, mais de 460 mil empresas chinesas fecharam permanentemente no primeiro trimestre deste ano e o número de novas empresas criadas caiu 29%, em relação ao ano transato. O mesmo jornal avançava, a 18 de Fevereiro, que o vírus tinha levado o governo central a considerar um possível ajustamento na taxa de crescimento para 2020.

No Reino Unido, o jornal The Guardian noticiava que a multinacional Debenhams, que possui vários grandes armazéns e emprega cerca de 22000 trabalhadores, estava a considerar declarar bancarrota, devido ao impacto do vírus e no seguimento de problemas financeiros que tinha atravessado nos últimos anos. Um outro exemplo, o famoso chef Gordon Ramsey fechou temporariamente os seus restaurantes em Londres, na sequências das imposições colocadas pelo governo Britânico, tendo resultado no despedimento de cerca de 500 dos seus colaboradores.

Também em Portugal já se fazem sentir os efeitos económicos desta crise. A 4 de abril, o Expresso avançava que 22 mil empresas já tinham recorrido ao regime de “lay-off”. No total, mais de 425 mil trabalhadores já estavam incorporados neste regime, superando já o número total de desempregados. Segundo o Jornal de Negócios, a FNAC recorreu ao “lay-off” simplificado para cerca de 1600 dos seus trabalhadores, que corresponde a 91% do total de colaboradores.

Os exemplos aqui enumerados pretendem ilustrar o impacto que o vírus terá na economia mundial, e que, na minha opinião, será muito superior à contração de 1% estimada pela Organização das Nações Unidas.

Perante isto, é da maior urgência iniciar um debate sério sobre a estratégia para a próxima fase do combate ao vírus. É fundamental haver um debate ponderado, livre de demagogias e populismos, sobre quais são as condições que precisam de estar reunidas para que o nosso país possa sair de quarentena e do estado de emergência em que se encontra. A sociedade tem de ser bem informada, pelo governo, pelas autoridades competentes e pela comunidade científica, sobre quais são as diferentes opções bem como as suas consequências, para que se possa avançar com a economia, sem que isso represente um acréscimo de mortes adicional. Este debate tem de ocorrer de forma imediata para que qualquer seja a estratégia adotada, o planeamento da mesma seja feito atempadamente. Caso isto não aconteça, corremos o risco de entrar numa crise sem precedentes, de uma dimensão muito superior aos tempos da troika.

Temos também de aproveitar este momento para debater qual deve a nossa resposta enquanto sociedade, enquanto coletivo, a pandemias e outras crises de saúde pública. Na semana passada, o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas dos Estados Unidos, Dr. Anthony Fauci, afirmou que há a possibilidade de o país passar por um novo surto de Covid-19 no Outono. Caso isso aconteça também em Portugal, passará a melhor estratégia por colocar o país de novo em quarentena? Penso que neste momento ninguém terá a resposta para esta pergunta, o que dá mais força ao meu apelo ao debate.

Bill Gates, que em deu 2015 deu uma palestra, que se tornou viral nas últimas semanas, onde abordava os perigos e efeitos catastróficos de uma pandemia como esta, voltou a fazê-lo na passada semana. Em entrevista por videoconferência a Trevor Noah, comediante sul-africano e anfitrião do The Daily Show, Bill Gates afirmou que poderiam vir a surgir, no futuro, pandemias piores que esta. Devemos aproveitar a sua deixa e começar, desde já, a construir métodos eficazes, tanto do ponto de vista médico como do ponto de vista económico, e elaborar um plano estratégico ao qual possamos recorrer, de forma sistemática, sempre que uma crise desta natureza surgir.

Tal como dizia o historiador e pensador israelita Yuval Noah Harari, no seu artigo no Financial Times, o coronavírus é um teste à nossa cidadania. Nas próximas semanas, a nossa missão é combater as “fake news” e procurar, com recurso a fontes de informação credíveis e a pessoas que durante anos se tem vindo a dedicar ao estudo destas matérias, sobre quais os métodos mais eficazes para combater esta doença e como podemos fazer com que não se entre numa crise económica e social sem precedentes, sem que isso custe vidas. Temos de pressionar os nossos líderes políticos para que haja um debate sério e abrangente sobre o vírus e tudo o que lhe está associado. Portugal, que é um país onde há poucas conversas coletivas, ou quando as há os seus intervenientes estão mais preocupados em defender as suas agendas políticas e pessoais do que em passar informações fidedignas, precisa, mais do que nunca, de um debate ponderado e em sociedade. E nós temos que o exigir.