A China é uma nação com uma forte influência política e económica que não parece vir a diminuir tão cedo. Tem uma grande variedade cultural e culinária, e essa diversidade estende-se mesmo até à sua língua. Embora muitas vezes apenas o designemos como chinês, o  idioma predominante nesta nação é uma questão um pouco complexa, e mesmo o termo  aparentemente mais correto para a designar, mandarim, não é suficiente.

A língua chinesa está dividida em vários dialetos, com diferenças mais extremas do que, por exemplo, a variação da língua portuguesa dentro de Portugal ou mesmo entre o  português de Portugal e o do Brasil, visto que alguns chegam a ser totalmente  incompreensíveis entre si (até são considerados por muitos como linguagens separadas, mas para efeitos políticos, são classificados como dialetos pelo governo chinês). O principal, mais  conhecido e mais falado, é o mandarim, mas consideram-se pelo menos outros 6 com alguma relevância, falados por milhões de pessoas: Yue (também conhecido como Cantonês), Wu,  Xiang, Min, Hakka e Gan1,2,3. Para complicar ainda mais a comunicação, estes dialetos podem  variar ligeiramente de acordo com a região geográfica, resultando em sub-dialetos.

A magnitude das diferenças pode variar bastante. Os fonemas existentes em cada  dialeto podem variar, o que afeta a pronúncia de muitas palavras. Mesmo em coisas tão  simples como cumprimentar alguém: “你好”, que significa “Olá”4, é pronunciado em  Mandarim como “Ni Hao”, mas na variedade de Shangai do dialeto Wu, a pronúncia  assemelha-se a “Nong Hô”5. Outra diferença importante está nos tipos de entoação possíveis para as sílabas, capazes de alterar completamente o significado de uma palavra neste idioma. Enquanto que no mandarim existem 4 ou 5 entoações diferentes6, no cantonês, por exemplo,  o número pode variar consoante a região, podendo ter até 9 entoações diferentes!7

O principal motivo para estas grandes diferenças deve-se ao percurso histórico da China, marcado por várias separações e uniões sucessivas do território. Destaca-se o período durante o século X após a queda da Dinastia Tang, resultante de vários fatores incluindo abusos de poder, movimentos separatistas, assassinatos de oficiais do governo e revoltas populares8,9. Como consequência, o território ficou dividido em 10 reinos, relativamente  estáveis e independentes entre si por mais de 50 anos, até serem unificados pela dinastia seguinte10. Épocas prolongadas como esta levaram à reduzida comunicação entre grandes regiões e à consequente segregação linguística. Características geográficas podem ter  promovido ainda mais o isolamento e as disparidades linguísticas. Porém, é de notar que  mesmo após longos períodos de união, a diversidade linguística manteve-se.

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O mandarim ganhou protagonismo no início do século XX, pouco antes da instauração da República da China. Antes disso, já era desde o final da dinastia Ming (por volta do séc XVII) o dialeto principal em Pequim, o centro político do país, sendo sempre associado às classes  altas e até tendo-se tornado a linguagem oficial da nação em 190911. Após a queda da  Dinastia Quing, no início da década de 1910, o novo governo decidiu manter essa decisão, e a tendência tem sido de reforçar o uso do mandarim. Em 2013, cerca de 30% da população  chinesa não era fluente em mandarim12; em 2022, esse número desceu para 20%13. Embora  pareça uma diferença pequena, num país com uma população de aproximadamente 1,4 mil milhões (dados de 202214), isto corresponde a um acréscimo de 140 milhões de indivíduos capazes de perceber a língua em menos de uma década.

Este esforço intenso está associado muitas vezes à iniciativa do governo chinês de promover a união do país por meio do dialeto predominante, frequentemente com alguma resistência oferecida pelas populações que falem outros dialetos ou línguas, como na região  do Mongólia Interior14. Embora seja claramente útil haver um dialeto comum a todos os habitantes de um país, neste caso isso parece estar a ocorrer à custa da diversidade linguística,  também importante. Apesar de tudo, vários dialetos continuam a ter uma presença assídua no quotidiano de muitas pessoas, como é o caso do cantonês.

Este dialeto é típico da região do Cantão (ou Guangzhou), uma zona costeira que foi  temporariamente autónoma no século II antes de Cristo e que levou algum tempo a reintegrar-se, tendo-se tornado uma cidade portuária muito importante a partir do século III.  Desde esse ponto, e mesmo depois de outras cidades portuárias terem surgido, a tendência foi para o crescimento populacional e económico da cidade, tendo sido o principal ponto de contacto com outras culturas (incluindo os portugueses) via tráfego marítimo, bem como um  local importante para a revolução de 1911, tornando-se temporariamente autónoma em 1924 por ordem do Partido Nacionalista, até o Partido Comunista ter chegado ao poder e lhe ter  revogado esse estatuto, em 1954.15

Logo, um histórico marcado por alguma independência do resto da nação, quer administrativo quer económico, pode ter minimizado a comunicação com outros dialetos, e o crescimento demográfico da região garantiu que o cantonês permanecesse relevante, sendo por estas razões e por outras, o 2º dialeto mais falado da China. Sendo assim, num país tão grande, diverso e antigo, é de esperar que outros dialetos tenham tido fatores semelhantes  que promoveram a sua preservação ao longo dos séculos, mesmo face à propagação relativamente recente do mandarim. Se a diversidade linguística atual da China sobreviverá à expansão rápida deste dialeto dominante, só o tempo dirá.

Fontes

1. K & J translations. (2020). How Many Languages Are Spoken in China?

2. NordicTrans. (2021). What Are The Official Languages In China?

3. Norris, S. (2022). How Many Dialects Are There in Chinese? The Ultimate Breakdown.

4. Skopalova, V. G. (2023). Hello in Chinese – 25+ Chinese Greetings to Sound Like a Native.

5. The Many Dialects of China. (n.d.).

6. Rozkalns, U. (n.d.). Chinese Pronunciation.

7. Skopalova, V. G. (2021). A Beginner’s Guide to Chinese Dialects.

8. Tang Dynasty. (n.d.).

9. Reasons for Decline of Tang Dynasty. (n.d.).

10. The Five Dynasties and the Ten Kingdoms. (n.d.).

11. Su, Q. G. (2019). How Did Mandarin Become China’s Official Language?

12. Say what? China says 400 million can’t speak national language. (n.d.).

13. Chinese dialects in decline as government enforces Mandarin. (2022).

14. National Economy Withstood Pressure and Reached a New Level in 2022 (N.d.).

15. History of Guangzhou. (n.d.).