Há hoje em dia, um enorme esforço para impor uma determinada memória e apagar ou derrubar tudo o que contradiga a mesma. Os novos iconoclastas querem a censura e o desaparecimento de memórias que consideram “erradas”, ao invés de uma coexistência pacífica de memórias numa sociedade aberta e plural.

Cabe-nos a todos nós, tomarmos a palavra, mostrar que a História, sendo por vezes complexa no que toca a questões delicadas, nunca deverá deixar de procurar a verdade. Não podemos em momento algum, compactuar com aqueles que querem modificar acontecimentos autênticos em conveniência de certas vontades.

As personagens históricas devem ser avaliadas segundo os critérios do seu tempo e nunca de acordo com uma “teoria presentista”, isto é, olhar para o passado e julgá-lo a partir dos padrões de hoje, pensar fora da História.

Em Portugal, nos dias que correm, temos inúmeros activistas anti-racismo e anti-época colonial, ligados a diversas organizações de extrema-esquerda, querendo impor-nos uma verdade vesga, uma visão distorcida da história. No que diz respeito às ex-colónias,

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Portugal teve, numa determinada fase da sua existência como país, um Império Colonial e um espírito imperial. Tudo isso existiu e, depois, deixou de existir, sem que seja motivo de vergonha, nem de ofensa para ninguém.

Há uma igualdade de direitos perante a História que muitos elementos da esquerda, no seu fanatismo cada vez mais empedernido, se recusam a reconhecer.

O verdadeiro alvo desta historiografia é a Nação. Para esta gente, a História não nos educa nos valores do patriotismo, não leva ao desenvolvimento de um sentimento de pertença a uma Nação. Cada Nação é convidada a virar-se para as zonas sombrias da sua experiência histórica, para uma valorização negativa centrada no orgulho de uma culpabilidade plenamente assumida, que acaba sempre por designar o homem ocidental como culpado de uma sociedade que ele teria construído para o seu exclusivo proveito e no seu exclusivo interesse. É um processo conduzido contra a civilização ocidental no seu conjunto, primacialmente por um regresso hipercrítico quanto à colonização e à expansão dos impérios europeus.

Neste sentido, viu-se mesmo esta historiografia criminalizar a descoberta da América pelos navegadores europeus, sendo Cristóvão Colombo condenado como o primeiro genocida ocidental. Em França, viu-se Napoleão ser reduzido à decisão de restaurar a escravatura nalguns territórios franceses do Ultramar, não se tolerando mais a comemoração das suas vitórias como, por exemplo, a de Austerlitz, em 1805. Por cá, e como veremos adiante, congelou-se o projectado Museu dos Descobrimentos e apaga-se qualquer celebração dessa época.

As novas multidões de hoje, saem a correr dos campus universitários, onde já não se valoriza o diálogo intelectual e muito menos qualquer referência moral, antes se propagam narrativas e discursos de poder.

Necessitaremos sempre de referências, de heróis e de mitos. O que não precisamos é de uma cultura de ressentimento para quem por definição tudo o que foi feito pelo homem ocidental é pecaminoso, senão mesmo criminoso. A cultura da tal “narrativa” universitária que hoje se impõe de forma totalitária.

A extrema-esquerda surge-nos hoje em dia numa galeria de professores universitários, comentadores de televisão e de jornais e, em Portugal, até de Conselheiros de Estado. Nada disso, porém, aconteceu por acaso. Aconteceu porque, nestes primeiros anos do século XXI, muito do que se disse nas televisões e se ensinou nas Universidades foi dito e ensinado pela extrema-esquerda ou segundo os termos em que a mesma coloca as questões. E este é talvez o facto político mais significativo dos últimos tempos, mais do que quaisquer populismos.

É nas Universidades que o esquerdismo é fabricado. Os campus americanos foram o embrião deste movimento a partir do final dos anos 60. Nos anos 80, institucionalizou-se nas Universidades, antes de se tornar mediaticamente hegemónico, nos anos 2000, fruto de um cruzamento entre o neo-marxismo e as formas mais tóxicas da contracultura. Como antigamente, trata-se ainda de derrubar o “sistema”, isto é, o capitalismo e a democracia liberal, concebidos como fachadas de um poder opressor. Só que esse poder já não é definido pela classe social, mas pela raça e pelo sexo. E por isso, para o destruir, importa menos nacionalizar terras e empresas, do que alterar memórias, destruir símbolos e refazer identidades, de modo a subverter a suposta hierarquia racial e sexual que é mantida por essas memórias, símbolos e identidades. Por vezes, tudo isto surge à face da consciência pública como uma excentricidade – a loucura do politicamente correcto. Mas engana-se quem toma este movimento de modo tão leve. Por detrás dessa suposta “loucura”, existe uma infra-estrutura repressiva, a cancel culture, organizada para intimidar, estigmatizar, excluir e silenciar nas universidades, na imprensa, no mundo editorial, nas redes sociais e em muitos locais de trabalho.

Em vez da velha “luta de classes”, temos assim as esquerdas ocupadas agora na “guerra cultural”. Um dos seus aspectos é a criminalização do passado. A essa diferença chamava-se antigamente História. Agora, chama-se crime. Sim, segundo estes combatentes da guerra cultural, é só por criminalidade que o passado não é igual ao presente. E por isso, tudo o que diz respeito a esse passado deve ser denunciado e demolido implacavelmente, até limparmos o nosso virtuoso presente das manchas dos nossos perversos antecessores. Os seus livros devem deixar de ser lidos, a sua música deve deixar de ser tocada, as suas imagens devem deixar de ser vistas, os monumentos que os lembram devem ser destruídos, etc. Só assim poderá uma nova humanidade, pura e justa, igualitária e sem preconceitos, emergir da depravação do passado.

Neste momento, o problema principal da nossa democracia é o da resistência da elite à mudança. Uma mudança que reflicta e que represente o povo, cuja voz e anseios são por demais ignorados. Uma mudança que regenere o sistema e que reforme os nossos piores atavismos e vícios colectivos.

Para lá do problema de fundo da educação, que vem de há muito tempo, esta “doença da pátria” tem vários sintomas visíveis à vista desarmada em que os dois principais partidos do sistema, por falta de coragem, não abordam e que concorrem para a insatisfação dos portugueses.

Sobre a escravatura, a extrema-esquerda tem procurado envergonhar os portugueses, dizendo-lhes que o orgulho nacional, o nacionalismo, é um sentimento maligno e muitos portugueses com isso retraem-se. Encolhem-se. Do mesmo modo, apresenta-lhes o passado do país como uma sucessão de pilhagens e violências exercidas sobre povos indefesos, praticadas por bandidos e traficantes de escravos. Por isso, a extrema-esquerda boicotou a existência de um Museu dos Descobrimentos, propondo em seu lugar um Museu da Escravatura.

O tráfico e a escravidão na bacia do Atlântico e do “Novo Mundo” existiram entre os séculos XV e XIX. Durante grande parte desse período, a prática da escravatura consolidou-se em África, na Europa, na Ásia e na América. Em nenhum desses continentes era considerada crime. Antes de os portugueses se terem envolvido no comércio de escravos, já os muçulmanos e os africanos o praticavam em larga escala através do Saara, do Índico e do Mar Vermelho.

A Escravatura foi sendo ilegalizada e combatida a partir dos finais do século XVIII, graças ao advento e triunfo de uma nova ideologia e de um movimento político nascido no Ocidente: o abolicionismo. Nunca é demais recordar que a abolição da escravatura em Portugal deu-se em dois momentos distintos: em 1761 na Metrópole e na Índia com o Marquês de Pombal e posteriormente com uma lei de 1869, no reinado de D. Luís, que proclamou a abolição da escravatura em todo o Império português, até ao termo definitivo de 1878.

Desde a visita em 2017 do actual Presidente da República à ilha Gorée (Senegal), uma ilha que está associada ao tráfico transatlântico de escravos, que surgiram uma tempestade de críticas vindas da extrema-esquerda, a exigir desculpas pelo envolvimento português no tráfico de escravos com reparações de vária ordem. Procuraram, ainda, forçar mudanças nos programas e no ensino da disciplina de História, para deles banir os pontos que lhes desagradam e incluir outros que privilegiam.

É intolerável que um grupo de activistas tente colocar nos actuais portugueses um sentimento de culpabilidade, quase sempre com distorções e descontextualizações do que se passou. Não faz qualquer sentido que se promova uma leitura emocional dos acontecimentos do passado e que se projecte nesse passado sentimentos, conceitos e valores actuais como se eles fossem eternos e já existissem nos séculos em que foi praticado o tráfico de escravos.

Muita gente até há pouco tempo, exigia ao Estado português confissões de culpa com os correspondentes pedidos de perdão, reclamando uma política de reparações para com esses povos, sob a forma de compensações de vária natureza. Não há razão nenhuma para que Portugal peça unilateralmente desculpa por uma relação mutuamente assumida com outros povos (num processo histórico que foi de facto cruel e injusto, mas muito mais complexo do que aquilo que nos tentam fazer crer). Nunca é demais lembrar que o tráfico de escravos foi uma prática que surgiu e se manteve durante muito tempo por vontade de traficantes portugueses (e de outras nações ocidentais) e de chefias africanas.

Mais recentemente, o debate tem vindo a acalmar, acreditando que poderá ser uma situação transitória e que mais cedo ou mais tarde, irá surgir de novo com mais força. Devemos estar preparados para esse regresso, com uma posição bem formada de modo a que possamos resistir melhor ao próximo embate.

Relativamente aos Descobrimentos e à subsequente expansão, estes deram-se porque houve gente que se meteu em navios e foi procurar o mundo. Esta verdade simples e óbvia precisa de ser fortemente sublinhada, mil vezes se tal for preciso. A História não tem de ser politicamente correcta, tem apenas de ser História, isto é, uma narrativa de acontecimentos verdadeiros, assentes numa avaliação do passado, feita com um só peso e uma só medida.

Devemos celebrar os Descobrimentos sem nenhum complexo. Foi por eles que se fez a primeira globalização neste mundo. É por eles que Portugal foi grande e é por eles que se fala português em toda a parte.

Na última legislatura, tivemos um deputado do Partido Socialista que defendeu que o Padrão dos Descobrimentos deveria já ter sido demolido. Ficámos a saber que vamos tendo deputados que em vez de enaltecerem a nossa História ou, pelo menos, de a respeitarem, têm vergonha dela.

Nos anos 80 e 90 do século passado, a história das antigas “descobertas e conquistas” ainda foi ressuscitada oficialmente como uma história de contactos entre povos, de “encontro com o outro”, de “intercâmbio de culturas”. Foi essa a filosofia da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos de 1986 a 2002 e da Exposição Internacional de Lisboa de 1998.

Na última década, porém, a “americanização” da Universidade portuguesa arrastou a mesma geração que nos anos 90 se entusiasmava com o “intercâmbio de culturas” a reconceber o “Império”, onde só terá havido escravização e o genocídio.

A lembrança, a evocação e o reconhecimento dos Descobrimentos estão perfeitamente na memória retentiva de grande parte dos portugueses. Faz parte da sua identidade coletiva, pelo que devemos sempre reconhecer, valorizar e estimar.