A velocidade a que a COVID-19 se propagou, em todo o mundo, colocou um enorme desafio aos governos e às instituições com responsabilidades nas áreas da saúde pública, segurança e gestão de crises. Essa propagação foi de tal forma intensa e alargada, que a gravidade da situação exigiu o empenhamento das competências distintivas das Forças Armadas de muitos países, em particular europeus, nas áreas da organização, da logística e do apoio sanitário, essenciais para minimizar os efeitos de um “inimigo” inesperado, desconhecido e insidioso.
Em Portugal, a Direção-Geral de Política de Defesa Nacional tem vindo a analisar os principais desenvolvimentos em alguns países europeus, mantendo permanentemente atualizado um quadro comparativo do nível de empenhamento das respetivas Forças Armadas.
Dessa análise comparativa verifica-se que Portugal, juntamente com a Alemanha, a Espanha, a França e a Itália, constituem o grupo de países que mais empenharam as suas Forças Armadas no combate à pandemia.
Trata-se de uma constatação importante, na medida em que revela a aceitação generalizada, por parte da população, à intervenção das Forças Armadas no interior do território nacional, sinal de maturidade democrática e de confiança nas instituições.
Cabe, ainda, realçar a forma exemplar como a população portuguesa acolheu as medidas excecionais de confinamento implementadas pelo governo, não criando situações que viessem a exigir o reforço das ações policiais com recurso aos militares, como aconteceu nos quatro países acima referidos, não obstante as Forças Armadas portuguesas se encontrassem preparadas para prestar o apoio que viesse a ser solicitado pelas Forças e Serviços de Segurança.
As medidas de confinamento, em Portugal, também permitiram manter os níveis de contaminação e de mortes por COVID-19 muito abaixo dos verificados, por exemplo, em Espanha e Itália, o que explica o motivo pelo qual os militares portugueses não foram chamados a apoiar os serviços funerários, como, infelizmente, aconteceu naqueles dois países.
No caso de Portugal, a dupla preocupação em garantir, por um lado, a prevenção do contágio e a preservação da saúde dos militares e, por outro, a satisfação das necessidades do país, determinou a visão que norteou a ação das Forças Armadas: Prevenir – Preservar – Responder.
O processo adotado, idêntico ao de qualquer operação militar, iniciou-se com a análise da situação, essencial para caracterizar o “inimigo”, antecipar a evolução da crise e formular a estratégia de resposta, definindo prioridades de atuação.
De seguida, focou-se num rigoroso planeamento, que tem permitido conduzir as ações no terreno, de forma coordenada e sustentada, contribuindo para a segurança sanitária e o bem-estar da população, através do apoio a um leque alargado de ministérios, ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), aos órgãos de Proteção Civil, e às Forças e Serviços de Segurança, entre outras entidades, no continente e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
Para manter os elevados padrões de prontidão operacional, foi necessário decidir e agir com rapidez, no sentido de prevenir o contágio dos militares. Por isso, ainda antes dos primeiros casos positivos se registarem em Portugal, foram suspensas viagens, cerimónias e exercícios, e iniciado o aprovisionamento suplementar de Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
Tendo presente o pensamento estratégico de Sun Tzu, que já no séc. IV a. C. realçava a importância de conhecermos o “inimigo” para conseguirmos combatê-lo com sucesso, também se criou um Gabinete de Conhecimento da COVID-19, que recolheu, analisou e disponibilizou a evidência científica relevante para apoiar a tomada de decisão pela estrutura superior das Forças Armadas.
Em paralelo com as medidas preventivas imediatas, foram emanadas orientações estratégicas para a elaboração de planos de contingência, que determinaram a adaptação dos processos de decisão e a ativação de células de crise para a monitorização permanente da situação e a proteção sanitária do pessoal, incluindo dos militares destacados em missões internacionais.
Além disso, reforçou-se o Hospital das Forças Armadas (HFAR) com pessoal dos Ramos, anexou-se um módulo sanitário com mais 32 camas e implementaram-se procedimentos de separação de áreas de tratamento COVID e não-COVID.
Interrompidas as aulas presenciais no Instituto Universitário Militar, os alunos foram empenhados numa investigação sobre as implicações geopolíticas da pandemia, promovendo o pensamento estratégico essencial à adaptação ao mundo pós-COVID-19. Analisados possíveis cenários futuros para o mundo, esta investigação chegou a uma interessante conclusão para o posicionamento estratégico de Portugal: a antecipação de uma maior relevância para o espaço atlântico e para os relacionamentos a sul, seja no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte e da União Europeia, seja no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Este conjunto de medidas internas revelou-se bastante eficaz, pois permitiu limitar o número de militares infetados, não afetando as atividades em curso, nem a capacidade de satisfazer as solicitações suplementares originadas pela crise pandémica. Para responder a tais requisitos, as Forças Armadas empenharam os seus recursos e capacidades, com humanismo e solidariedade, nas referidas áreas distintivas das suas competências. A título informativo, descrevem-se, seguidamente, alguns dos empenhamentos mais relevantes.
Na área da organização destaca-se a gestão de cerca de 8.000 voluntários da Família Militar para apoio sanitário e a assessoria aos Secretários de Estado nomeados coordenadores regionais do combate à pandemia.
Os contributos na vertente logística contemplaram, entre outras ações, o repatriamento de cidadãos portugueses por meios aéreos militares, a criação de centros de acolhimento de doentes em unidades militares, a distribuição de refeições a pessoas sem-abrigo, a montagem de hospitais de campanha e o apoio na reabertura de escolas, através de sensibilização, higienização e distribuição de EPI.
Por fim, no âmbito do apoio sanitário, realça-se o acolhimento e tratamento de idosos no HFAR, a criação de linhas telefónicas para aconselhamento, rastreio e apoio psicológico a entidades externas, aliviando a linha SNS24, a desinfeção de lares, centros de saúde e viaturas de emergência médica, diversas ações de sensibilização junto das comunidades piscatórias e em estabelecimentos prisionais, e, ainda, a colaboração em projetos de inovação para a proteção de doentes e profissionais de saúde.
A diversidade e a utilidade destas ações evidenciam a flexibilidade da Instituição Militar e o seu relevante contributo para este esforço global, que uniu e mobilizou todos os portugueses. A elevada participação das Forças Armadas portuguesas na resposta nacional a esta emergência de saúde pública também está bem patente no quadro comparativo apresentado.
Uma certeza poderemos ter. Independentemente dos níveis de empenhamento passados ou presentes, as Forças Armadas permanecerão prontas a responder às futuras exigências desta crise pandémica, que tanto tem afetado o normal funcionamento e o modo de vida da nossa sociedade. E, de outra forma não poderia ser, porque a sua razão de existir é apenas uma:
Servir Portugal e os portugueses, com brio e relevância!
Nas últimas semanas têm surgido sinais de abrandamento da pandemia em Portugal e na Europa, que nos dão esperança e alento para ultrapassarmos esta enorme adversidade. Todavia, como referiu Winston Churchill, após uma das primeiras batalhas vencidas pelos britânicos aos alemães, em 1942:
“Isto não é o fim. Nem mesmo o princípio do fim. Mas é, talvez, o fim do princípio.”
Com efeito, no início da pandemia fomos apanhados de surpresa e tivemos de decidir com grande rapidez, aprendendo enquanto reagíamos. Agora, já melhor preparados para combater este “inimigo” inesperado, desconhecido e insidioso, estou plenamente convicto que, cumprindo as regras sanitárias e mantendo a postura colaborativa e solidária que tem pautado intervenção das instituições nacionais, a vida dos portugueses regressará a uma nova normalidade, com serenidade e confiança.