O emprego de drones pelas Forças Armadas em 2022, no âmbito dos incêndios rurais, focou-se nas operações de vigilância no período diurno. Porém, também foi avaliado o seu potencial no período noturno, tendo em vista preparar a campanha de 2023. Neste artigo abordaremos: a legislação enquadradora da participação das Forças Armadas na vigilância e combate aos incêndios rurais; as mais valias operacionais do emprego de drones em incêndios rurais no período noturno; as principais lições aprendidas durante as missões noturnas experimentais; os desafios e as ações a desenvolver para potenciar o apoio dos drones nas missões de proteção civil, relativas à vigilância e ao combate a incêndios rurais.

Quanto à legislação enquadradora, importa referir que, em 2020, através da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 38-A/2020, o Governo determinou que a “operação dos drones Classe 1 é coordenada entre a Força Aérea e a Guarda Nacional Republicana (GNR), para operações de vigilância, e com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), no quadro do combate a incêndios rurais, incluindo as operações de rescaldo e de vigilância ativa pós-rescaldo”. Em linha com o estabelecido no artigo 275.º da Constituição da República Portuguesa, que prevê a colaboração das Forças Armadas em missões de proteção civil, esta RCM criou o enquadramento legal para o emprego dos drones militares na vigilância e combate a incêndios rurais, no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, coordenado pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).

No plano das mais valias operacionais do emprego de drones em incêndios rurais no período noturno, realça-se que, no percurso para a edificação da Esquadra n.º 991, composta por elementos da Marinha, do Exército e da Força Aérea, que opera a partir do Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea, na Ota, as Forças Armadas realizaram, desde janeiro de 2022, um conjunto de testes e de exercícios que permitiram avaliar e robustecer a capacidade operacional para a utilização dos drones em missões noturnas. De entre essas atividades, destacam-se:

i) Em colaboração com a Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI), a criação de cenários, a deteção de ignições, focos e reacendimentos de incêndios rurais e de outros fenómenos que geram calor e que podem, potencialmente, ser detetados pelos sensores;

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ii) O seguimento de alvos terrestres, através das fontes de calor que geram;

iii)  O treino das equipas, designadamente no voo da aeronave, na utilização dos sensores, nas manobras de descolagem e de aterragem e na análise das imagens recebidas em operação.

A realização destas atividades em ambiente noturno é possível na medida em que o sensor ótico dos drones apresenta a intensidade do fogo, tal como observado pela vista humana, enquanto o sensor térmico (infravermelhos), tira partido de um conjunto de paletes de cor que detetam as fontes de calor no horizonte visível e discriminam as temperaturas dessas fontes. Para além disso, o sensor térmico assinala outras fontes de emissão de calor (equipamentos e pessoas), que se situem nas áreas próximas dos incêndios rurais.

Realça-se, também, que as características técnicas dos sensores dos drones proporcionam já uma capacidade, não só, de deteção abrangente nas ações de vigilância noturna, em coordenação com a GNR, mas, também, de apoio às operações de rescaldo e de vigilância ativa pós-rescaldo durante a noite, a coordenar com a ANEPC. Porém, no âmbito do processo de melhoria contínua do emprego de drones nos incêndios rurais, as Forças Armadas tencionam prosseguir o desenvolvimento da capacidade de processamento e referenciação das imagens obtidas pelos sensores, de forma a otimizar um sistema de representação gráfica, que contribua para a tomada de decisão dos comandantes de teatro operacional, durante as ações de combate.

Neste contexto, as mais valias operacionais do emprego de drones em incêndios rurais, no período noturno, resultam de voarem entre os 1500 e os 2000 metros de altitude, o que permite uma maior abrangência da área vigiada, e de operarem quando a disponibilidade humana para deteção precoce de ignições é mais reduzida por parte de particulares, os quais constituem, durante o dia e de uma forma generalizada, o principal meio de relato deste tipo de eventos.

As principais lições aprendidas durante as 10 missões experimentais de operação noturna realizadas em 2022, foram conseguidas dedicando cerca de 21 horas de voo à realização de testes em áreas com potencial para a ocorrência de incêndios rurais. Alguns dos resultados alcançados são evidenciados nas figuras a seguir apresentadas.

Na Figura 1, relativa a um incêndio em Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga, o sensor ótico apresenta, ao centro, a intensidade do fogo, e o sensor térmico mostra, à esquerda e a encarnado, os pontos quentes, relativos a focos de incêndio.

Fig. 1. Incêndio em Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga (fonte: Forças Armadas)

Na Figura 2, referente a um incêndio em Carrazeda de Ansiães, distrito de Bragança, o sensor térmico expõe, à esquerda e a encarnado, dois pontos quentes, correspondentes a focos de incêndio.

Fig. 2. Incêndio em Carrazeda de Ansiães, no distrito de Bragança (fonte: Forças Armadas)

Na Figura 3, respeitante a um incêndio em Valpaços e Sanfins – Vale Verde (Vale Machado), distrito de Vila Real, o sensor ótico expõe, à esquerda, a intensidade do fogo e o sensor térmico exibe, à direita e a encarnado, cinco pontos quentes, coincidentes com focos de incêndio.

Fig. 3. Incêndio em Valpaços e Sanfins – Vale Verde (Vale Machado), no distrito de Vila Real (fonte: Forças Armadas)

Uma das lições que foi possível retirar destas 10 missões noturnas experimentais, tem a ver com o facto de a conjugação das imagens dos sensores ótico e térmico dos drones permitir a deteção precoce de incêndios, quando há menos disponibilidade humana, o que representa um enorme potencial na vigilância das nossas florestas. Outra constatação essencial resultou do desenvolvimento da aplicação Vista Aérea sobre os Incêndios que, aproveitando as valências dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), permitiu utilizar cartografia e informação de incêndios do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) para representar, entre outros aspetos, o relevo, a ocupação do solo (espaço urbano, espaço florestal, espaço agrícola, espaço natural e paisagístico, por exemplo), cursos de água e vias terrestres, o que acrescenta eficácia à tomada de decisão no combate, no rescaldo e na vigilância ativa de incêndios rurais.

Na presença das lições aprendidas antes enunciadas, o principal desafio para potenciar o apoio dos drones na vigilância e no combate aos incêndios rurais durante a noite, reside no desenvolvimento tecnológico. Com efeito, tirando partido da crescente maturidade dos SIG e das imagens captadas pelos sensores, as Forças Armadas tencionam implementar e disponibilizar, aos agentes de proteção civil, a vista aérea sobre os incêndios, representando, em tempo quase real, os ativos existentes no terreno (forças, veículos, focos de incêndio, por exemplo) vistos a partir das aeronaves militares.

Foi, neste contexto, e para potenciar o apoio dos drones na vigilância e no combate aos incêndios rurais durante a noite, que as Forças Armadas firmaram um protocolo de colaboração com a ADAI e iniciaram contatos com a AGIF, a GNR, o ICNF e a ANEPC, entre outras entidades, para incorporar, no planeamento operacional de 2023, as ações necessárias à melhoria da deteção precoce de focos de incêndios e da representação dos elementos no terreno. Desta forma, será possível reforçar o comando e controlo nas missões de vigilância e combate a incêndios rurais.