O crédito ao consumo em Portugal tem crescido significativamente nos últimos anos, impulsionado por uma combinação de fatores económicos e tecnológicos. Este artigo aborda o estado atual do crédito ao consumo, a utilização de ferramentas de scoring preditivo e os desafios éticos e legais associados. Vamos explorar as questões mais relevantes de forma clara e acessível.
O que está a acontecer com o crédito ao consumo em Portugal?
Nos últimos tempos, tem havido um aumento significativo no número e no valor dos créditos ao consumo em Portugal. Apesar da maior literacia financeira dos portugueses, que levou a uma redução nos incumprimentos, o montante dos novos contratos de crédito ao consumo em maio de 2024 atingiu os 721.505 milhares de euros, um aumento de 28,4% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Por que há tanto crescimento nos créditos ao consumo?
Este aumento deve-se também, em grande parte, à maior disponibilidade de linhas de crédito de pequeno montante online através das plataformas de Homebanking e Neobanking. Estas plataformas facilitam o acesso ao crédito, permitindo que os consumidores obtenham empréstimos de forma rápida e conveniente.
Como é que as ferramentas de scoring preditivo influenciam os créditos?
As ferramentas de scoring preditivo, que utilizam Inteligência Artificial (IA), são cada vez mais usadas para avaliar a solvabilidade dos consumidores. Estes sistemas analisam dados pessoais de crédito para determinar se um indivíduo deve ser aceite ou rejeitado para um empréstimo a particulares. Isto significa que a decisão de conceder, alterar os termos e condições ou até, em última instância, de rescisão do crédito pode ser feita sem necessidade de deslocação física aos bancos.
Quais são os principais problemas com o uso de IA no crédito ao consumo?
Existem quatro principais problemas com o uso de IA no crédito:
Discriminação: As ferramentas podem perpetuar discriminações sobre grupos desfavorecidos ou minorias.
Transparência: Muitas vezes, há falta de transparência no funcionamento destes sistemas, tornando difícil entender como são tomadas as decisões.
Exatidão: As previsões podem não ser sempre exatas.
Autonomia do Consumidor: Os consumidores podem acabar por ajustar os seus comportamentos financeiros para se adequarem às recomendações e às exigência do sistema, o que pode não ser necessariamente benéfico.
Que medidas estão a ser tomadas para proteger os consumidores?
A União Europeia aprovou a Diretiva (UE) 2023/2225, de 18 de outubro, que será transposta para a lei portuguesa até novembro de 2025. Esta Diretiva dá aos consumidores o direito de solicitar intervenção humana nas decisões de crédito feitas por IA, garantindo que algumas decisões possam ser revistas por humanos e não sejam exclusivamente automatizadas.
Qual é a proposta para mitigar os problemas com a IA no crédito ao consumo?
Durante o 10.º Congresso Internacional de Direito na Lusofonia, realizado na Escola de Direito da Universidade do Minho entre os dias 7 e 10 de maio de 2024, foi apresentado um projeto conjunto que sugere o uso de IA Distribuída, onde múltiplos agentes de software trabalham juntos para reduzir a opacidade e a discriminação nas decisões de crédito. Dentro da arquitetura do sistema, a chamada “Camada do Cuidado” ajudaria os analistas e gestores de crédito a entender e a justificar as recomendações sugeridas pela IA. Teríamos, deste modo, uma IA que se controlaria a si própria e melhor auxiliaria a alocar as responsabilidades das partes interessadas.
Como funcionaria este novo sistema de IA?
Este sistema de IA incluiria uma “Camada do Cuidado” que permite aos analistas e gestores de crédito rastrear as inferências feitas pela IA e garantir que as decisões são justificáveis e livres de discriminação. A ideia é criar um equilíbrio entre a maior autonomia destes sistemas e a sua supervisão humana, assegurando que a IA seja utilizada de forma mais justa e transparente possíveis.
O que significa o conceito de “Antropocentrismo Maquinocêntrico”?
Este conceito refere-se à criação de sistemas conformes à regulamentação a aplicar, que reconheça a autonomia das máquinas que criamos, mas que também assegure que essas máquinas operam em benefício dos humanos. Isto implica que as decisões de IA no crédito ao consumo devem ser feitas de forma a respeitar e beneficiar os consumidores. Quanto menor o controlo humano possível, devido ao maior número de megadados, maior será a autonomia que deve ser concedida aos sistemas de IA no scoring, dado a sua maior acuidade. Por outro lado, quando o número de dados de crédito é insuficiente, tornar um sistema totalmente independente e sem intervenção humana consubstancia um verdadeiro risco de exclusão para aquelas pessoas que não possuem qualquer histórico ou dados de crédito.
Conclusão
O uso de IA no crédito ao consumo em Portugal apresenta tanto oportunidades quanto desafios. Enquanto facilita o acesso ao crédito e melhora a eficiência das avaliações de solvabilidade, também levanta questões éticas. Assim, as medidas legais a implementar a nível nacional pela lei portuguesa até novembro de 2025, com base na Diretiva 2023/2225, deverão proteger os consumidores, garantindo que a IA seja usada de forma justa e responsável, mas antes, sobretudo, com graus de autonomia variável. Daqui decorre que o futuro do crédito ao consumo dependerá de um equilíbrio cuidadoso entre inovação tecnológica e a proteção dos direitos fundamentais dos consumidores.