No rescaldo da hecatombe pandémica que vivemos e das graves consequências socioeconómicas que a mesma trouxe, o actual Governo resolveu, inesperadamente, publicar na Separata do Boletim de Trabalho e Emprego n.º 14, de 18 de Junho do ano em curso, um projecto por via do qual se pretende estabelecer os limites do tempo de voo e de serviço dos pilotos, bem como os requisitos do repouso do pessoal móvel da aviação civil.

O projecto de Decreto-Lei 786/XXII/2021 de 2021.05.31 surge no seguimento do despedimento de centenas de trabalhadores do Grupo TAP, numa altura em que o plano de reestruturação do grupo se encontra por aprovar em Bruxelas e a motivação por trás deste é clara: incrementar, sem olhar a quaisquer meios, a produtividade das companhias aéreas, por forma a corresponder às expectativas da Comissão Europeia e à ameaça crescente encabeçada pelos concorrentes do sector.

Este projecto, se aprovado, revogará o Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/79/CE, do Conselho, de 27 de Novembro. Este diploma surge no ordenamento jurídico comunitário onde posteriormente entrou em vigor o Regulamento (UE) n.º 83/2014 da Comissão, de 29 de Janeiro de 2014, que alterou o Regulamento (UE) n.º 965/2012, da Comissão, de 5 de Outubro, estabelecendo os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos para as operações aéreas.

Em comparação com o regime legal actualmente em vigor, o projecto retira (com excepção do respeitante aos serviços médicos de emergência realizados com helicópteros – HEMS) os limites relativos à consecutividade dos períodos de serviço voo nocturnos e a salvaguarda do número de voos no período crítico do ritmo circadiano, determinando ainda o encurtamento dos períodos mínimos de repouso dos trabalhadores.

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Após as imposições do Grupo TAP e do Governo na “negociação” dos acordos de emergência (pautada pelo recurso reiterado à ameaça do gládio do regime sucedâneo encostado à jugular dos direitos e garantias dos trabalhadores), demonstra-se evidente que, com este sorrateiro projecto de Decreto-Lei, se pretende nortear e influir na renegociação das convenções colectivas de trabalho, exigida por esses acordos. Já sabemos, portanto, qual será o mote das negociações vindouras: produtividade, produtividade, produtividade.

Resta não esquecer que o gládio tem sempre dois gumes, pelo que o aumento da produtividade em detrimento directo das condições de segurança de voo dos pilotos, tripulantes e demais passageiros, não é certamente o caminho certo para a recuperação económica das companhias aéreas. Nem a recuperação económica pode ser feita à custa da diminuição da segurança das pessoas.

Há limites para a racionalidade económica. Mas mesmo se só isso contasse, então será importante sublinhar que a conta poderá sair bem mais cara certamente, com custos irreparáveis, pois os fins não justificam todos os meios.