Este título é uma espécie de eixo da leitura do evangelho deste XXIX domingo do tempo comum e que será proclamado em todas as missas da Igreja Católica. O eixo desta leitura espelha um dos temas que me são mais caros: as relações entre a fé e a política, ou, a vivência da fé na praça pública. A relação entre a fé e o poder temporal nem sempre foi pacífica (para alguns parece ainda não ser) se bem que esta relação possa suscitar compreensíveis tensões na sua compreensão, tradução e vivência.
Já muito se tem escrito sobre este tema. Não sei se haverá algo de novo a acrescentar, mas creio que vale a pena pôr em perspetiva o modo como nós, cristãos, que somos cidadãos do Céu (Fil. 3, 20) e da terra (CC) nos entendemos e relacionamos com a sociedade secular da qual fazemos parte.
Assim, que significado pode ter afirmarmos que a esfera política pertence a César? Do mesmo modo, haverá realidades na terra que não pertençam a Deus? De acordo com a leitura do evangelho deste domingo, será que Jesus nos quer dizer que Deus deveria ficar confinado ao culto, aos sacramentos, à eucaristia, à sacristia, aos santuários? Claro que não! Será que a cultura, o desporto, a nobre arte de fazer política, o trabalho, a família, o lazer, ‘o bem que devemos fazer pelos outros’ (cf. Mat. 10, 42) não devem ou podem ter a marca de Deus? Claro que sim! Quando é que deixam (ou parece que deixam) de ter a marca de Deus? Quando os poderes de César usurpam e tentam banir a legítima presença de Deus em tudo o que Ele criou (e cria) e viu (e vê) que era tudo muito bom (Gen, 1, 31) e confiou ao ser humano (Cf. Gen. 1. 28). E quando é que nós cristãos não correspondemos a este legado de Jesus? (por muito que custe, a frase de Jesus está dentro do prazo de validade desde há dois mil anos). Quando não respeitamos a legítima autonomia secular que pode não se identificar com a ‘cidade de Deus’ tal como a sonhamos.
Nós, cristãos, temos o direito de viver a fé na praça pública. Mas assiste-nos o dever de perceber que propor não significa impor, testemunhar não significa derrubar. Somos ‘filhos do nosso tempo’. Felizmente, vivemos numa sociedade plural e devemos respeitar as distintas sensibilidades religiosas e não religiosas e, deste modo, exigirmos ser respeitados. Um estado laico, não tem credo, mas serve uma sociedade com credo ou credos e sem credos e, portanto, assiste-lhe o dever de ser inclusivo nas suas práticas e ações. Laicidade não significa exclusão mas inclusão dentro das regras de um Estado de Direito. Estado, Associações e Igreja têm um ponto em comum: servir o ser humano. De acordo com a especificidade própria de cada entidade e sem se imiscuírem, o bem comum deveria ser a bandeira comum; a bandeira das forças vivas de uma sociedade.
Nem sempre percebemos isto. Visitando a nossa história coletiva, facilmente perceberemos (como sociedade) o quanto perdemos e nos empobrecemos por não termos percebido que o bem comum, como valor maior, deveria prevalecer primeiro e sempre e não a ideologia do poder ou da fé transformada em ideologia ou ainda instrumentalizada por interesses alheios à própria fé. Afinal, aqueles a quem César e a Igreja (entre outros) servem têm vários nomes: cidadãos, cristãos, sócios de entidades (sejam elas quais forem). Mas no horizonte deveria estar o maior serviço ao bem comum, tendo em conta as legitimas especificidades e autonomias das duas ‘faces da moeda’: poderes secular e religioso.