Nos palcos da política contemporânea, somos testemunhas de uma peça teatral cuja complexidade e fervor rivalizam com as mais magníficas tragédias de yore. Figuras outrora imersas nos ideais socialistas – Medina, Centeno, Siza Vieira – agora renascem, elevando-se acima do comum, como árbitros supremos da prudência fiscal, reminiscentes dos sábios da Grécia antiga, partilhando o seu conhecimento com as massas ávidas por sabedoria.
O pano de fundo desta peça é adornado com uma comédia de erros, onde analistas e comentadores, embalados pela fervorosa exaltação de profecias apocalípticas, advogam um retorno às velhas máximas socialistas. Edificam castelos de excedentes orçamentais sobre areias movediças, celebram ilusórias reduções da dívida com uma contabilidade criativa digna dos mais astutos alquimistas dos números.
Surge então no palco Pedro Nuno Santos, um mestre da virtude seletiva, transportando a audiência a novos zénites com promessas de generosidade sem precedentes. Com astúcia, ele lança vórtices de críticas à direita, por sua pretensa visão curta e instabilidade, omitindo os próprios turbilhões de caos que marcaram o reinado da sua fação, uma era onde a governação assemelhava-se a um ludibrium caprichoso.
Rememoramos a saga da vertigem financeira, uma odisseia que teve o seu prólogo nos idos de 1995 sob a égide de Guterres e alcançou o seu clímax na bancarrota de 2011. Durante essa longa jornada, as admoestações pela prudência fiscal foram silenciadas por vozes que entoavam o mantra: “Há mais vida além do défice”. Medina, à época Secretário de Estado, desviava o olhar da tempestade interna para culpar ventos estrangeiros, enquanto negava qualquer vestígio de responsabilidade socialista pelas tempestades financeiras que assolavam o país.
António Costa talvez tenha encarnado o ápice desse drama, com declarações que oscilavam entre o imprudente até ao paradoxal. Adotou um discurso que enaltecia a frugalidade apenas quando conveniente, criando uma dissonância não só nas políticas públicas, que viram o sistema de saúde e educação definharem sob o peso da fiscalidade e a segurança pública ser desafiada, mas também na sua própria narrativa moral.
Costa e seus comparsas, outrora maestros da disfunção fiscal, agora posam como devotos da responsabilidade orçamental. Ribaltas são trocadas, mas os atores permanecem, entoando um novo canto que afirma uma virada na direção da prudência financeira, uma redenção que busca apagar memórias de um passado não tão distante.
A saga dos socialistas em aprender tardia e dolorosamente as lições da gestão fiscal é um espetáculo de ironias e sarcasmos. Agora, como neófitos na arte da prudência orçamental, arroga-se o direito de serem mentores, convenientemente esquecendo as ruínas deixadas no seu rastro. Esta opinião é um espelho de um palco muito maior, onde a comédia e tragédia da governança se entrelaçam, tecendo um legado de desafios e aprendizagens para uma nação.
Entre os sussurros e turbulências do palco político, emerge uma figura quase mítica – o cidadão comum, frequentemente relegado ao papel de espetador nessa tragédia grandiloquente. Aqueles que, dia após dia, sentem o peso das decisões tomadas sob holofotes distantes, cujas vidas são o pano de fundo real dessa ópera complexa. São mãos calejadas e rostos marcados pela realidade, que, ao contrário dos protagonistas nos palcos do poder, não dispõem do luxo de reinventar-se ou esquivar-se das consequências com um simples girar de cena. Este capítulo adicional revela as vozes não ouvidas, os sonhos adiados e as esperanças desgastadas por promessas etéreas, um testemunho vital que adensa a narrativa, conferindo-lhe uma dimensão humana e palpável, muitas vezes ignorada pelos atores principais da nossa história.
Ao alargar o enredo, revela-se também a resiliente teia de comunidades que, apesar das adversidades, encontram meios de se reinventar e adaptar. Os verdadeiros artífices da inovação social e económica, cujas histórias de superação e tenacidade são raramente celebradas nos discursos eloquentes dos líderes. Nestes bastidores da realidade, longe das luzes da ribalta, gestam-se as verdadeiras revoluções – silenciosas, porém profundamente transformadoras. A inclusão desta dimensão não apenas enriquece o tecido da crónica, mas destaca a indomável força do espírito humano frente às marés da incerteza política, oferecendo um contraponto luminoso à sombria tapeçaria de manobras e retóricas.