A frase não é minha, li-a nas redes sociais (os créditos devem ser atribuídos a Sérgio Renato): “Vão taxirizar os Uber quando deveriam uberizar os Táxis.”
Sim, é verdade que o caminho escolhido pelo governo, do qual conhecemos esta segunda-feira os traços gerais, é o de introduzir alguma regulação no negócio novo, inovador e desafiador, deixando o serviço tradicional com as mesmas e antigas regras.
Mas, ainda assim, prefiro olhar para o copo meio cheio. Na actual conjuntura política, não ficaríamos espantados se simplesmente se proibissem as plataformas electrónicas, mantendo tudo como estava desde a invenção do automóvel. As reacções do PCP e do Bloco de Esquerda, criticando o anúncio do ministro do Ambiente, são suficientemente sintomáticas sobre a forma como alguns sectores políticos olham para a inovação e para a liberdade de escolha dos consumidores: ao mínimo protesto corporativo, proíbem-se ambas.
Sendo pragmático, é uma boa notícia a clarificação da actividade das plataformas electrónicas para serviços de transporte urbano. A opção do governo foi a de aproximar algumas regras para ambos os serviços, mantendo algumas diferenças nos direitos e deveres. Os associados das plataformas electrónicas – em Portugal, depois da Uber, já chegou também a Cabify – vão ter que fazer uma formação de 30 horas, dispor de um seguro idêntico ao dos táxis e identificar os automóveis. Os táxis mantêm algumas obrigações próprias, como a obtenção de alvará, mas continuam também a beneficiar de privilégios como isenções fiscais, utilização das faixas “bus” e a exclusividade na chamada directa na rua.
É claro que para a corporação dos táxis isto não serve. Como se percebeu desde o início, tudo o que fosse menos do que proibir liminarmente e para todo o sempre qualquer tipo de concorrência não serviria para eles.
Este caso dos táxis vs. Uber é, aliás, paradigmático das tendências, transformações e forças que vão moldando diariamente a economia e os negócios, para o bem e para o mal. Pela mediatização de que tem beneficiado, por incidir sobre um serviço simples como é o transporte nas cidades, a que a generalidade da população tem acesso ou utiliza mesmo, este dossier despertou muita gente para debates que costumam estar reservados a elites políticas, económicas, cientificas ou académicas: inovação, regulação, concorrência, interesse e escolha dos consumidores e defesa de posições corporativas.
Mas, como sabemos, este está longe de ser caso único.
Aliás, se há sector onde o impacto tecnológico é forte é precisamente o do turismo. A forma como escolhemos os sítios para onde viajamos, fazemos as reservas de transporte, alojamento e actividades e obtemos informação e dicas quando estamos nos locais mudou radicalmente nos últimos anos.
Ainda há pouco tempo tivemos discussão idêntica sobre os tuk-tuks (mais uma vez os protestos vieram dos taxistas, claro). E agora estamos a debater o aluguer de quartos ou casas particulares directamente a turistas, sobretudo nos centros das nossas cidades. Também aqui, a tecnologia está a mudar os negócios, abrindo novas opções aos consumidores e obrigando os operadores a adaptarem-se e a inovarem.
Soube-se esta terça-feira que as reservas em Portugal de alojamento particular através da Airbnb — a plataforma mais utilizada no encontro entre proprietários com casas ou quartos para arrendar e turistas que os procuram — aumentou 76% no Verão, face ao ano passado. Nesse período de três meses foram mais de 700 mil os turistas que optaram por este tipo de alojamento. É uma excelente notícia e acredito que neste caso só não há protestos audíveis da indústria hoteleira porque o momento do turismo em Portugal é tão bom, tão bom, que está a dar para todos.
Mas também aqui temos o governo a avançar para a regulação, como revela a secretária de Estado do Turismo.
Claro que a generalidade das actividades precisa de regras, mais ou menos apertadas conforme o sector. Abrir uma transportadora aérea e pôr aviões a voar com 200 ou 300 pessoas lá dentro é diferente de licenciar um negócio de passeios turísticos por Segway.
A tentação de regular tudo e mais alguma coisa está presente na generalidade dos governos. Porque passar a licença é um exercício e uma fonte de poder, fiscalizar e fazer a inspecção é gerador de receitas para organismos públicos ou empresas privadas, decidir quem pode ou não pode fazer o quê é uma forma de proteger interesses, servir clientelas ou, simplesmente, tentar evitar protestos ruidosos.
Mas a questão que temos sempre que colocar é se regulação excessiva e desnecessária não vai matar o negócio, inviabilizando-o economicamente ou retirando-lhe as vantagens da inovação.
Entre outras coisas, Portugal devia afirmar-se como um espaço onde as ideias novas e os negócios que elas geram são bem-vindos. Não apenas na fase inicial da incubação, da atracção e desenvolvimento de startups – aí o bom trabalho feito por António Costa e João Vasconcelos em Lisboa está a dar óptimos frutos – mas também na possibilidade de testar no mercado e em condições tão próximas quanto possível do ambiente normal de utilização os produtos ou serviços que aí vão nascendo.
Há duas semanas, a mesma Uber que está a incomodar os taxistas colocou nas ruas da cidade americana de Pittsburgh os primeiros automóveis sem condutor que prestam o seu serviço. Foi apenas um teste, com a obrigatoriedade de ter alguém sentado ao volante para qualquer eventualidade. Mas o debate regulatório sobre o tema está lançado e a tecnologia não vai parar de evoluir. Isto não vai parar. Entregas ao domicílio feitas por drones, fabrico caseiro de vários objectos em casa com impressoras 3D, partilha sistemática de automóveis dos quais deixaremos de ser donos, ensino e trabalho à distância, etc.
Tanta coisa a acontecer que vai agradar e facilitar a vida a tanta gente. Tanta coisa a acontecer que alguns vão querer travar porque lhes estraga o negócio ou a influência. E tantas opções que os governos terão que fazer para posicionarem os países, as economias e as sociedades nesta nova era.
Claro que as opções não são binárias nem a preto ou branco. Mas é uma boa indicação saber se a nossa bússola aponta para Florêncio de Ameida, o líder da Antral que promete “porrada”, ou para as autoridades de Pittsburgh. Dos sinais que agora dermos em relação à inovação resultará uma parte importante da nossa prosperidade futura. Ou da falta dela.
Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com