O nível de literacia é dos determinantes em Saúde mais relevantes, com um impacto nos nossos estilos de vida e na nossa exposição a fatores de risco modificáveis. Assim sendo, a literacia em saúde representa não só uma forma de sermos parte ativa na gestão da nossa própria saúde, como uma peça fulcral no que concerne à prevenção. A pretexto do AIDS 2024, a 25ª Conferência Internacional sobre SIDA trago um artigo sobre uma área da saúde que parece ser de difícil debate: o planeamento familiar e a saúde sexual e reprodutiva. Efetivamente, parece que alguns setores da nossa sociedade têm uma enorme resistência em discutir estes temas e, um pouco por todo o mundo, estas áreas têm sido alvo de contestação e oposição por grupos mais conservadores que consideram um ataque aos valores tradicionais falar de questões como contracepção, relações sexuais saudáveis, infeções sexualmente transmissíveis (IST) ou ainda o acesso a procedimentos seguros de interrupção voluntária da gravidez.
Porquê falar de planeamento familiar e de literacia em saúde sexual e reprodutiva?
Em primeiro lugar, é de notar as influências externas que podem condicionar a mentalidade e políticas públicas portuguesas. Nos EUA, assistimos a um ataque ao acesso à contracepção e ao aborto seguro, com batalhas legais em múltiplos Estados, onde, inclusive em alguns, mulheres e médicos, têm sido perseguidos pelo acesso a um método seguro de interrupção voluntária da gravidez ou a contracepção, o que reforça a pertinência em abordar estas temáticas.
De seguida, é importante destacar que a educação em saúde sexual e reprodutiva promove uma retórica positiva quanto à sexualidade humana. Uma revisão sistemática de três décadas de evidência suportam o investimento em literacia nesta área:
Maior pedagogia em justiça social, direitos humanos e igualdade;
Prevenção do abuso sexual, violência no namoro e doméstica;
Respeito pela diversidade de orientações sexuais;
Diminuição de atos de bullying e de ambientes escolares hostis;
Importa também realçar que a discussão destes temas não leva a maior ou mais precoce início da atividade sexual, como já evidenciado por múltiplos estudos.
Por outro lado, o aumento da incidência de ISTs demonstra a necessidade de maior investimento em literacia neste campo. Dados do European Center for Diseases Control, demonstram um aumento da notificação de casos de gonorreia de 846 em 2018 para 2.253 em 2022, algo que também se verifica no caso da infeção por clamídia e sífilis, sendo que estes valores representam uma sub-notificação da realidade atual. Importa também destacar a crescente ameaça de casos de gonorreia resistente aos antibióticos, que condicionam o tratamento desta mesma infeção. Por fim, relativamente à infeção por VIH em Portugal, de acordo com as notificações recebidas até junho de 2023, ocorreram 804 novos casos de infeção por VIH em 2022, 91,9% por via de transmissão sexual, sendo a heterossexual a mais frequente.
Todos estes dados, reforçam a necessidade de um maior investimento em literacia em saúde sexual e reprodutiva, assim como na prevenção, diagnóstico e tratamento de ISTs.
Como podemos atingir estes objetivos?
Compromisso Político: É importante reforçar o compromisso político de forma transversal para com a defesa do planeamento familiar, o acesso a métodos contraceptivos, ao aborto seguro e a formas de prevenção, diagnóstico e tratamento de ISTs. Sem isso, arriscamo-nos a assistir em Portugal a fenómenos semelhantes aos que acontecem nos EUA, um claro retrocesso civilizacional, nomeadamente relativo aos ganhos em saúde que estas diferentes políticas possibilitam.
Formação: Partindo do pressuposto que queremos jovens saudáveis, informados e capazes de adoptar medidas preventivas, é prioritário consensualizar um currículo escolar que trabalhe a literacia em Saúde sexual e reprodutiva, em colaboração com diferentes Ministérios, Profissionais de Saúde, Agrupamentos Escolares, Associações de Pais e a Sociedade Civil com vista a aumentar o nível de consenso, fulcral para a implementação deste currículo.
Clínicas de Saúde Sexual: Garantir o acesso a métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento de ISTs poderá concretizar-se através da criação de Clínicas Comunitárias, algo que já existe em países como o Reino Unido, libertando os Cuidados de Saúde Primários, os Cuidados hospitalares e os Serviços de Urgência destas funções, reforçando a personalização dos cuidados de saúde nesta área. Estas Clínicas poderiam congregar diferentes profissionais de saúde em ações de literacia na comunidade, no rastreio e diagnóstico descentralizados e no acesso ao tratamento rápido e eficaz.
Porque descobrir por nós mesmos não protege, o investimento em literacia em Saúde é a determinante mais relevante para a adopção de estilos de vida mais saudáveis e para a prevenção de problemas de saúde.
O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.