Hoje, neste preciso dia, 15 de Fevereiro, a Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, une-se ao mundo inteiro para falar de oncologia pediátrica, duas palavras que jamais deviam caminhar juntas. Hoje, seja na Europa, com taxas de sobrevivência superiores a 80%, seja em África, com estatísticas bem mais terríveis, o mundo falará de cancro pediátrico, a primeira causa de morte por doença na criança após o primeiro ano de vida. Estatisticamente, enquanto alguém lê este artigo, três ou quatro crianças ou jovens morrerão no mundo, vítimas da doença;  hoje, uma criança ou um jovem serão diagnosticados em Portugal com cancro.

Na vida destas famílias tudo começa com a frase do médico: o seu filho tem cancro. A frase esmaga, porque o nome da doença esmaga, e porque falamos de filhos que têm seis meses, sete anos, quinze anos. Falamos de crianças arrancadas aos recreios da escola; falamos de jovens que veem o futuro incerto; e falamos de bebés, quando já não há palavras para a incredulidade. Percebemos, por fim, que é preciso agir, dar um sentido às coisas, não perguntar por que motivo isto acontece, mas o que fazemos com isto que acontece. E dizermos alto, para todos ouvirmos a certeza da confiança e da esperança.

Tudo parece naturalmente acabar quando o médico diz a frase esperada, tantas vezes ansiada ou rezada: o seu filho está curado. Sente-se então um suspiro de alívio, oferecido à técnica ou à fé, que abre  as portas à vida, que deixa entrar o futuro e, com ele, projectos e desejos.

Estar curado é vencer a doença. Mas é perceber, também, que não se fecha o processo numa gaveta, não se queimam os relatórios e os exames em nome do esquecimento. O que aconteceu fica para sempre com cada um daqueles a quem aconteceu, tivesse seis meses, sete anos ou quinze anos. Um dia mais tarde há que olhar para trás, não com os olhos do herói, mas com os olhos do sensato: o que tive eu? Que cuidados devo ter? A que posso estar sujeito? Quem pode ajudar-me?

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Aprendemos com cada dia que corre. A Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, aprende desde 1994, quando surgiu para marcar a sua presença junto dos Pais e das crianças ou jovens que se confrontam com o cancro.

Aprendemos que as famílias, arrancadas às suas terras pelas necessidades de tratamento, procuram um tecto onde se abrigar, e construímos casas em Lisboa, Coimbra e Porto. Aprendemos que a casa de Lisboa não chegava, que as listas de espera eram um sobressalto. Por isso, ajudados pela Câmara Municipal (e pelos mecenas que nos apoiarão nesta empreitada), vamos conseguir duplicar a nossa capacidade, dar a mais famílias a possibilidade de viverem numa casa longe de casa.

Aprendemos que a legislação existente fica aquém das necessidades de Pais, doentes, cuidadores, e por isso apresentámos, junto da Assembleia da República, relatórios, inquéritos, testemunhos em discurso directo de pessoas que passaram por este processo e a quem faltou o apoio escolar, laboral, social. Aprendemos que é preciso não desistir, e insistir, para que nada caia no esquecimento e na voragem de outras aparentes prioridades.

Aprendemos a angústia de saber que a ala da pediatria de alguns hospitais só aceita doentes até aos dezasseis anos. Por isso defendemos que se estenda, pelo menos, até aos dezoito, sabendo que nalguns países o conceito de pediatria vai além dos vinte anos…. Só quem entra com um filho de dezassete anos num hospital é que percebe a violência emocional de vê-lo encaminhado para uma ala de adultos.

Aprendemos, também, que a nossa actuação não termina quando a família se despede de nós e regressa, feliz, ao seu ponto de origem. É preciso insistir na manutenção da consulta dos DUROS (Doentes que Ultrapassaram a Realidade Oncológica com Sucesso) e alargá-la ao território nacional. É preciso que quem venceu a doença saiba as debilidades que carregará até ao fim da vida; é preciso que alguém lhes diga que exames fazer e quando fazer, a que sintomas devem estar particularmente atentos; é preciso que alguém desmistifique os terrores que cada um transporta consigo, ou que dê um conselho; é preciso que alguém lhes diga, à luz do que se sabe hoje, o que podem esperar do amanhã.

Aprendemos ainda a realidade da mobilidade e da globalização: um jovem de 25 anos que teve um cancro aos nove está hoje em Portugal, amanhã parte com um mestrado e uma esperança para a Alemanha, de onde seguirá para o Brasil ou para a China ou para a Austrália. Onde fica o processo deste jovem adulto? Quem lhe diz, com uma terminologia científica e internacional, o que ele teve, a que tratamentos foi sujeito, qual a dose de radiação ou o tipo de medicamentos? É por isso que aprendemos a necessidade de um passaporte que acompanhe este jovem e que ele possa apresentar num hospital em S. Paulo ou em Berlim, confiante que alguém lhe diga que uma gripe é uma gripe, ou que não pode fazer isto, porque enquanto doente fez aquilo…

Acima de tudo, hoje, dia 15 de Fevereiro, é tempo de reafirmar a convicção que nos une a todos: nenhuma criança, qualquer que seja o seu país de origem, condição social ou religiosa, deveria morrer de cancro. E dizê-lo alto, para que todos ouçam.

Presidente da Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro; Membro do Conselho Executivo da Childhood Cancer International