No dia 1 outubro assinala-se o Dia Internacional do Idoso, conforme instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1991, com o objetivo de sensibilizar a sociedade para as questões do envelhecimento e necessidade de proteger e cuidar a população mais idosa. A ONU pretende assim chamar a atenção dos vários países membros para os estereótipos negativos associados à idade cronológica e mitos relacionados com o envelhecimento.

Em Portugal, o envelhecimento é frequentemente associado a dependência, incapacidade, défice cognitivo e desvalorização social. Familiares e profissionais de saúde não raramente comentam “para a idade até está muito bem”, referindo-se à capacidade física ou à memória, como se o envelhecimento representasse inevitavelmente deterioração funcional e cognitiva. Estes estereótipos podem ser ultrapassados promovendo um envelhecimento bem-sucedido, com manutenção da capacidade física e cognitiva, e sem interromper a participação das pessoas mais velhas na sociedade. A experiência adquirida ao longo da vida permite o desempenho mais competente e equilibrado do seu papel de cidadãos, trabalhadores, membro de uma família, cuidadores, ou até mesmo de voluntários e consumidores. Por tudo isto, nunca é demais relembrar que os idosos são valiosos.

No entanto, ainda poucos idosos recebem os cuidados de saúde apropriados e personalizados que merecem. O desenvolvimento de serviços de saúde especializados em Geriatria é urgente, e Portugal é dos poucos países da Europa ocidental em que o Serviço Nacional de Saúde não contempla de forma estrutural a sua existência. Porque não têm os idosos portugueses a mesma acessibilidade a Consultas de Geriatria que os restantes europeus? Porque não há serviços de internamento vocacionados para as especificidades das pessoas idosas? Porque não existem locais onde os profissionais de saúde possam aperfeiçoar as suas competências na abordagem clínica das pessoas idosas? Mais cedo ou mais tarde um de nós precisará destas respostas e competências…. Se começarmos “amanhã” já é tarde, mas ainda será possível! Nesta fase de mudança do Serviço Nacional de Saúde, esperamos ser sustentável restaurar a nossa esperança na correção desta iniquidade.

Este ano, a ONU elegeu como tema do dia Internacional do Idoso a Resiliência das pessoas idosas, com um maior enfoque nas mulheres. Esta direção decorre da observação de um paradoxo: apesar das mulheres terem papéis relevantes nas esferas social, civil, cultural, económica e até política, o seu reconhecimento e visibilidade são residuais. Da mesma forma, é legítimo considerar que também as suas necessidades sejam impercetíveis e por isso nunca satisfeitas, não só a nível individual, mas também a nível das políticas sociais e de saúde. Esta discriminação das mulheres acontece em toda a trajetória de vida, de forma possivelmente cumulativa e exponencial. Não obstante, a sua resiliência intrínseca permite continuar a vencer adversidades e ultrapassar as mesmas metas que os homens, ainda que com recompensas muitas vezes invisíveis ou mesmo inexistentes. Mas qual o preço a pagar por esta resiliência sobre-humana, que faz a mulher assumir intrínseca e altruisticamente o cuidado de todos, dos mais jovens aos mais velhos, nas várias esferas sociais? Poderá isto explicar que em Portugal as mulheres vivam mais anos que os homens, mas tenham menos anos com saúde e independência? Será a “resiliência” das mulheres aplicada quase exclusivamente nos outros e nunca em si? Será esta a explicação para as mulheres envelhecerem de forma acelerada e mal sucedida, acumulando desvantagens ao longo da vida?…

Se ser idoso em Portugal é um desafio pelas respostas sociais, económicas e de saúde insuficientes, ser uma mulher idosa é um desafio ainda maior. Frequentemente a mulher idosa é a cuidadora do seu cônjuge, sobrevivendo mais anos, mas estando predestinada a viver os anos seguintes sozinha e com saúde precária. Políticas sociais e de saúde aplicadas desde o início da trajetória de vida talvez consigam reverter esta tendência e proporcionar um envelhecimento mais saudável e equitativo. A Geriatria pode também contribuir neste desígnio, mas temos mesmo de começar a trabalhar “hoje”.

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