Um país competitivo, coeso e próximo das necessidades dos cidadãos e das empresas deve apostar necessariamente na digitalização como um dos pilares centrais da sua transformação. A aprovação, esta semana, em Conselho de Ministros, de um conjunto de medidas de simplificação é um sinal positivo na continuidade dessa estratégia. Afinal, Portugal tem sido apontado em sucessivos rankings internacionais como um exemplo de digitalização pública. O relatório mais recente de eGovernment, divulgado nos últimos dias pela Comissão Europeia, comprova esse caminho.

O problema é que as principais medidas aprovadas pelo Governo ou são mera reciclagem do que já estava em curso — e aliás, compromissos do próprio Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — ou são pequenas novidades que estão longe de responder aos desafios futuros e estratégicos do país nesta área.

Senão vejamos: o Governo anunciou a expansão da rede de Lojas de Cidadão e de Espaços Cidadão que está a decorrer, deu um novo nome ao portal único de serviços que está prestes a ser lançado e anunciou uma app que centraliza serviços. Estas foram três das principais bandeiras inscritas nas reformas transversais do PRR há quase três anos. E todas estão em curso.

É verdade que também há medidas novas e com algum impacto, como o fim dos documentos habilitantes para a contratação pública ou a desmaterialização do registo de IVA. Mas são medidas avulsas e não integradas num programa articulado que marque uma evolução pós-PRR.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É essencial fazer um trabalho transversal muito mais profundo, que permita localizar os principais obstáculos burocráticos, mas também identificar as maiores potencialidades de digitalização da economia e o contributo que o Estado pode e deve dar. Já não vivemos no tempo da “Modernização Administrativa”. Esta é a era da digitalização. Temos, pois, de saber juntar estes dois mundos que continuam separados. O paradigma tem de mudar.

Na inteligência artificial (IA), continuamos à espera para conhecer a Estratégia Nacional, iniciada no ano passado e cuja conclusão já tinha também sido anunciada. Somos dos últimos países que ainda não têm uma estratégia pública quando vários, aliás, já estão a rever as suas. E isso é fundamental não só para desenvolver novos serviços públicos com uma nova capacidade de resposta, como para otimizar recursos e aumentar a eficiência. Mas, sobretudo, como alicerces responsáveis de competitividade do tecido empresarial e de garantia de capacitação dos nossos cidadãos, trabalhadores e empresas para os desafios que a IA nos coloca.

Na disponibilização de serviços, apesar de positiva, a estratégia de consolidação de sítios web e de apps que apenas criam confusão para o cidadão ainda não está estabilizada nos pilares fundamentais da administração. Por exemplo, quantos conhecem a aplicação SIGA de gestão de filas de espera, gerida pela Segurança Social e que devia ser um dos produtos mais importantes e centralizados na app de serviços públicos? Ou reforçar significativamente o sistema centralizado de notificações eletrónicas que imprima mais eficiência na comunicação do Estado, por exemplo com as empresas?

Medidas transversais orientadas para o ciclo de vida de cidadãos e empresas e que antecipam necessidades, como a renovação automática do Cartão de Cidadão ou da Carta de Condução ou a comunicação entre Saúde e Registo dos dados do recém-nascido, são estratégias fundamentais para esse caminho proativo que foram lançadas nos últimos anos. Temos de continuar nessa integração na prestação de mais e melhores serviços integrados de primeira linha, seja online, seja de forma presencial.

Por outro lado, a eficiência faz-se também numa melhor consolidação das aquisições públicas na área tecnológica. A transformação digital custa dinheiro. E cada vez mais. Numa altura em que estes investimentos estão suportados pelo PRR, é fundamental pensar no dia seguinte. Não faz sentido, por exemplo, não existirem contratos únicos com as empresas de software que trariam enormes poupanças aos orçamentos públicos.

Toda esta estratégia deve ainda estar ancorada num ecossistema público-privado que reforce um maior empreendedorismo e geração de novas ideias disruptivas na área pública, com dados dados abertos mais ricos, interoperabilidade, standards e segurança. É um caminho que permite, para além disso, exportar muito deste conhecimento a nível internacional, com mais crescimento económico.

Temos, pois, enquanto país, de fazer um trabalho mais profundo na estratégia de digitalização, desde as competências aos processos, serviços e tecnologia. É preciso rapidamente corrigir o erro de considerar este um tema setorial ancorado entre “juventude e modernização” e dar o passo para que este seja um desafio diferenciador de Portugal enquanto país de inovação, de competitividade e de coesão, para que seja um exemplo internacional.