Em 1948, a Organização das Nações Unidas, aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo que na sua base e primeiro artigo fica claro que a “dignidade humana é universal e comum a todas as pessoas”.

Alvo de debate crescente na sociedade internacional, apesar das múltiplas tentativas de normalizar o conceito de dignidade, este é efetivamente complexo e a sua definição permanece pouco clara, em parte, por se tratar de um conceito multidimensional.

 A dignidade não deve ser limitada pela idade, cor, credo, cultura, género, sexo, nacionalidade, raça, estatuto social ou estado de saúde do indivíduo, e constitui uma necessidade Universal, fundamental para o bem-estar do indivíduo em todas as sociedades.

A literatura tem vindo a identificar elementos-chave para a definição de dignidade, entre os quais se destacam a autonomia, o respeito, o empowerment e a comunicação. Cada um destes elementos também eles multidimensionais, contribuem para a complexidade e ambiguidade na definição do conceito. Isto é, quando falamos de respeito, podemos falar em respeito por nós próprios, pelos que nos rodeiam, pela privacidade; a autonomia envolve o direito de opção, ter escolha, tomar decisões e de independência.

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Por entre estas definições complexas e acrescentando-lhes as definições de sofrimento e  equidade no acesso a alternativas terapêuticas, deparamo-nos com a necessidade prática de garantir que os doentes tenham ao seu dispor terapêuticas que os ajudem a viver melhor o seu dia a dia, independentemente de terem uma doença crónica com a qual vão conviver durante décadas, ou de estarem numa fase final da sua vida, necessitando delas para alívio dos sintomas, tais como a dor, a náusea e a caquexia; a nível emocional, necessitando de quem os escute, seja empático, e envolva no processo de decisão; e a nível espiritual, que vai muito além das questões religiosas, centrando-se no entendimento e compreensão da perspetiva do doente, e respeitando assuntos que se relacionam com a sua dignidade.

Ao sermos pioneiros numa determinada área terapêutica, lutamos muitas vezes contra a reprovação, contra crenças pessoais e até culturais.  Fazemo-lo por acreditarmos que podemos  contribuir para dignificar o doente, no alívio do seu sofrimento. Neste caso, de múltiplas formas: i) através do acesso a terapêuticas controladas, que garantem a qualidade e a segurança de quem as administra; ii) pela garantia de uma prescrição e dispensa feitas por profissionais de saúde, minimizando o risco de manuseamento incorreto, muitas das vezes negligente, e que pode levar a efeitos secundários relevantes. iii) e acima de tudo, garantindo que o doente é tratado como doente.

Qualquer um dos pontos mencionados no parágrafo acima poderia ser alvo de intermináveis debates, todos eles relacionados de uma forma ou de outra com a dignidade do doente. Apesar disso, o que me parece mais urgente é que não se rotulem os doentes com base nos tratamentos que lhe são prescritos. Seja de forma consciente ou inconsciente, a família, os amigos, a sociedade no geral, apontam rapidamente o dedo a quem necessita e lhe são prescritas substâncias ou preparações à base da planta da canábis para fins terapêuticos. O doente e também os profissionais de saúde que o acompanham, são frequentemente associados a movimentos hippies, ativistas, ou a quaisquer outros grupos que em nada estão relacionados com as razões e motivos que conduzem à prescrição criteriosa e responsável. Como qualquer doente, quem administra e lhe é prescrita canábis medicinal, fá-lo porque necessita e não porque deseja!

Este é, para mim, o complexo caso da dignidade no acesso à canábis medicinal.