No panorama atual da saúde em Portugal, o caos tem sido uma constante. Faltam recursos humanos, faltam camas para internamento, falta material, falta equipamento em pleno funcionamento. Sobressai a vontade de trabalhar e de prestar os melhores cuidados de Saúde de todos os profissionais de Saúde, a começar pelos enfermeiros.

A criação da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) surgiu como uma medida que se propunha agilizar processos e otimizar recursos. Mas, logo na altura, avisamos que era necessária atenção ao modelo que se estava a criar, para não replicar um modelo que já existia (com a Administração Central do Sistema de Saúde e as Administrações Regionais de Saúde).

Mantemos o que dissemos aquando da criação da DE-SNS: É preciso colocar os profissionais de saúde em particular os enfermeiros, no centro das decisões. Enquanto não o fizermos podemos criar direções e nomear várias pessoas, mas continuaremos a ter os mesmos problemas.

O que recentemente se verificou, com a inexistência de um Plano de Contingência para o verão no início do mês de maio, é, lamentavelmente, a concretização do que temíamos no Sindicato dos Enfermeiros: sem vontade e coragem, nem os melhores profissionais vão conseguir mudar o Serviço Nacional de Saúde. É que, na prática, a DE-SNS revelou-se como um fator exacerbador das fragilidades já existentes no sistema de saúde do país. E isso é deveras preocupante.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A promessa inicial da Direção Executiva era a de promover uma gestão mais eficiente e célere dos recursos do SNS. Contudo, a realidade revelou-se desoladora. O que assistimos foi a um aumento da burocracia, uma centralização e demora excessiva de decisões e uma desconexão crescente entre as necessidades dos profissionais de saúde no terreno e as diretrizes emanadas do topo da hierarquia.

Para os enfermeiros, esta situação representou um desafio sem precedentes. Os enfermeiros, que já enfrentavam condições de trabalho precárias e uma carga horária exaustiva, para suprir as falhas nas escalas e continuar a dar resposta às solicitações de cuidados de saúde, viram ainda mais agravada a situação de um sistema de saúde claramente ineficiente. A falta de autonomia e de recursos adequados comprometeu a qualidade do cuidado prestado aos portugueses e contribuiu para um clima de desmotivação e exaustão entre os enfermeiros.

Além disso, a criação da Direção Executiva do SNS também gerou uma lacuna na comunicação e na coordenação entre os diferentes níveis de cuidados de saúde. A falta de articulação entre os hospitais, centros de saúde e outras unidades de saúde, obrigou a medidas que em nada auxiliam os que necessitam de cuidados de saúde. Isso é bem visível nas escalas rotativas das urgências de Obstetrícia e Pediatria, com sucessivas notícias de doentes que encaminhados pelos próprios Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) para unidades cujas urgências se encontravam encerradas.

Enquanto presidente do SE, manifesto, primeiro, a minha preocupação; e, em segundo lugar, a minha oposição à continuidade deste modelo de gestão centralizada e burocrática. É urgente reverter esta tendência e promover uma abordagem mais participativa e descentralizada, que valorize o conhecimento e a experiência dos profissionais de saúde que diariamente estão no terreno.

É urgente que os enfermeiros assumam também o papel de decisores, e ocupem cargos executivos.

Já demos provas muito recentemente durante a pandemia.

Não podemos continuar a desperdiçar recursos humanos altamente qualificados como os enfermeiros, e não permitir que possam ser eles os gestores da saúde dos portugueses, permitindo uma maior eficiência na organização e utilização dos cuidados de saúde.

Vamos continuar a estar na cauda da Europa no rácio enfermeiro/doente, enquanto estivermos no topo dos países que mais exporta enfermeiros. Devemos olhar para o futuro da saúde dos portugueses, promovendo a autonomia, fortalecendo e investindo na Enfermagem, naquilo que melhor sabem fazer, cuidar.

Em suma, a criação da Direção Executiva do SNS revelou-se como mais um mau capítulo de um sistema de saúde em crise. Urge reconhecer os erros do passado e adotar medidas concretas para corrigir o rumo. No entanto, isso só será possível se houver um compromisso real com a mudança e uma vontade política de colocar a saúde dos portugueses acima de qualquer interesse partidário. É necessário que todos os partidos percebam, que qualquer mudança não se faz numa legislatura, que qualquer melhoria não pode ser feita à custa de constantes alterações do modelo de organização assim que mudamos de governo.

Os enfermeiros querem deixar de ser os heróis dos elogios e condecorações e passar a implementar medidas que possam efetivamente melhorar o sistema de saúde português, doutra forma continuaremos esta senda de “remendos”, prejudicando quem não tem culpa, os portugueses e claro a sua saúde.