Estranhou o senhor ministro da Saúde o pedido feito pela Procuradoria-Geral da República para declarar inconstitucional a lei das horas extraordinárias dos médicos. Garantiu mesmo que a lei não obriga os profissionais a fazerem mais horas extraordinárias e dá garantias de descanso para proteger profissionais e doentes. Com a mesma tranquilidade que fez estas afirmações, Manuel Pizarro disse igualmente estranhar que seja agora questionada uma prática há muito enraizada no Serviço Nacional de Saúde e à qual ninguém está obrigado.

No Sindicato dos Enfermeiros – SE estranhamos é a surpresa do senhor ministro da Saúde. Ninguém está obrigado a fazer horas extraordinárias no Serviço Nacional de Saúde? Caro ministro da Saúde, e a ética e a deontologia? E o dever de assistência aos doentes? Será que nada vai acontecer a um enfermeiro ou a outro profissional de saúde que, no final do turno, marque o ponto e vá embora para casa, indiferente às necessidades no serviço, às escalas incompletas e aos doentes sem assistência?

Num SNS ideal, com os recursos humanos adequados às necessidades atuais e ajustados aos atuais ritmos de procura por parte da população, efetivamente nenhum profissional de Saúde deveria ter de fazer horas extraordinárias. Porque, efetivamente, e como sublinha a senhora Procuradora-Geral da República, pode estar em causa a violação do direito ao trabalho em condições socialmente dignas e o princípio da proporcionalidade, além, claro, de a saúde dos próprios doentes estar em risco.

Algum português acredita que o discernimento e clarividência de um profissional de saúde são os mesmos à primeira hora de trabalho ou à 12.ª hora? Será que o senhor ministro da Saúde, médico de formação, com a experiência que tem acumulada de trabalho no SNS, não tem noção que o risco de erro é muito maior quanto maior for o número de horas trabalhadas?

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Em todo este processo, o que é verdadeiramente estranho é a reação do ministro da Saúde, que parece preferir ter profissionais de saúde, em particular enfermeiros, a trabalhar em turnos sucessivos, em claro sofrimento físico, emocional e ético em vez de contratar mais profissionais, tornando mais robusta e eficaz a resposta em saúde, a resposta de assistência que todos os portugueses merecem e já agora pagam.

Bem sabemos que fica muito mais económico ao Estado português pagar horas extraordinárias aos profissionais de Saúde do que contratar de forma permanente os recursos humanos. Mas o que será, efetivamente, mais saudável para o Serviço Nacional de Saúde e para os portugueses? Estamos convictos de que ficam todos a ganhar se o Governo reforçar os recursos humanos no SNS, permitindo completar as escalas de serviço sem ter de recorrer constantemente a horas extraordinárias ou à contratação de profissionais que não passam de remendos. Mas mesmo um bom remendo é sempre temporário.

Ganham desde logo as equipas nas unidades de Saúde, pois ao trabalharem em escalas completas e, preferencialmente, com elementos fixos, melhoram as rotinas de trabalho e interação, com ganhos para a qualidade de trabalho e para a prestação de cuidados de Saúde.

Mas ganham também todos os profissionais de Saúde que, desta forma, conseguem gozar os seus períodos de descanso, programar atividades em família ou até investir a título pessoal na sua formação.

E ganham, muito mais, todos os portugueses, com uma melhor resposta no acesso aos cuidados de saúde, sejam consultas, tratamentos, exames, cirurgias ou mesmo uma necessidade de recurso a uma urgência.

Perante estes factos, que nos parecem indesmentíveis, fica a questão: a quem interessa que se mantenha a possibilidade de os profissionais de Saúde efetuarem, sem quaisquer limites, horas extraordinárias?

À saúde do Serviço Nacional de Saúde não é, com toda a certeza.