No cenário jurídico contemporâneo de Portugal, tem-se observado uma série de transformações e debates a propósito da procriação medicamente assistida (PMA), uma realidade cada vez mais presente na sociedade. Questões de filiação, parentalidade e, sobretudo, anonimato, estão no centro destas discussões, requerendo uma análise cuidada à luz dos princípios e direitos fundamentais.
A Procriação Medicamente Assistida representa um conjunto de técnicas e tratamentos que auxiliam casais ou indivíduos com dificuldades em conceber de forma natural. Em Portugal, a legislação sobre PMA tem evoluído, procurando abarcar não só as mudanças científicas, mas também as socioculturais, proporcionando soluções que respeitem a dignidade humana.
Surgem, assim, os conceitos de filiação e parentalidade, tradicionalmente ligados à biologia, e que ganham novas interpretações na era da PMA. Hoje, a filiação não se circunscreve apenas à relação biológica, mas também à intencionalidade e ao desejo de ser pai/mãe. A parentalidade passou a ser vista sob uma ótica mais ampla, considerando os aspetos emocionais e sociais, não apenas os genéticos.
Um dos temas mais controversos diz respeito ao anonimato dos dadores sendo que, tradicionalmente, a legislação portuguesa defendia o anonimato, de modo a proteger a identidade dos dadores. Contudo, reconhecendo o direito à identidade pessoal e ao conhecimento da ascendência biológica, têm-se verificado debates acerca da possibilidade de crianças nascidas através de PMA terem acesso à identidade dos dadores quando atingem a maioridade.
A questão do anonimato é sensível e coloca em evidência dois direitos fundamentais: por um lado, o direito da criança a conhecer as suas origens; por outro, o direito do dador à proteção de sua identidade. É um equilíbrio delicado que o legislador tem de ponderar. O direito, como reflexo e instrumento regulador da sociedade, deve estar em constante adaptação.
A PMA, enquanto avanço científico com profundas repercussões sociais, exige do Direito respostas ponderadas, que equilibrem os interesses e direitos de todos os envolvidos. Em Portugal, o desafio reside em alinhar a legislação às necessidades e realidades contemporâneas, garantindo sempre os princípios da dignidade humana, da justiça e da equidade.
Para pensarmos, todos, fica a importância saber quem somos e de onde viemos, mesmo no Direito!