O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, consagrado no ordenamento jurídico português, representa um marco significativo na evolução do direito da família, refletindo a adaptação das normas legais às transformações sociais e à autonomia individual dentro do casamento. No entanto, este mecanismo legal apresenta uma complexidade particular quando analisado em conjunto com a responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais, especialmente à luz do regime do artigo 1792.º, n.º 1, do Código Civil. Esta interação revela uma potencial incongruência entre a facilidade de dissolução do vínculo matrimonial e a responsabilização por danos resultantes do incumprimento dos deveres conjugais, exigindo uma reflexão cuidadosa sobre os princípios que orientam o direito de família contemporâneo.

O uso da figura jurídica do divórcio sem consentimento permite a um dos cônjuges pôr fim ao casamento mesmo contra a vontade do outro, bastando para tal alegar a rutura definitiva do vínculo conjugal. Esta figura legal reconhece a autonomia pessoal e a impossibilidade prática e ética de manter uma união desprovida de significado afetivo e de projeto comum.

Por um lado se a sua adoção visa promover a dignidade pessoal e a liberdade individual, elementos considerados fundamentais na sociedade contemporânea, por outro, o regime da responsabilidade civil por violação dos deveres conjugais estabelece um mecanismo de compensação para os danos resultantes dessa violação, seja a nível moral ou material.

Esta disposição legal sublinha a importância de cumprir os deveres de coabitação, fidelidade, respeito, assistência e cooperação, refletindo a conceção de que o casamento implica obrigações recíprocas cuja violação tem consequências jurídicas.

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A incongruência surge quando consideramos a facilidade com que o vínculo conjugal pode ser dissolvido através do divórcio sem consentimento, em contraste com a possibilidade de se exigir posteriormente uma compensação por danos decorrentes do incumprimento dos deveres conjugais. Esta situação levanta questões sobre a coerência das normas que regulam as relações familiares e sobre o equilíbrio entre a autonomia pessoal e a responsabilidade pelas obrigações assumidas no casamento.

Para mitigar este conflito, é essencial que a jurisprudência e a doutrina desenvolvam critérios claros e justos para a aplicação do regime de responsabilidade civil, considerando não apenas a letra da lei, mas também os valores subjacentes à dignidade humana, à solidariedade familiar e à autonomia individual. A avaliação dos danos e a determinação da compensação devem levar em conta a complexidade das relações pessoais e as circunstâncias específicas de cada caso, buscando sempre promover a justiça e o equilíbrio entre as partes.

É caso para dizer que o equilíbrio entre a liberdade individual e as responsabilidades conjugais encapsula a expressão popular “à vontade não é à vontadinha”.