Nenhum de nós tem experiência do caminho do cadafalso; os falsos fuzilamentos ou decapitações eram uma prática bárbara que caiu em desuso. Provocavam susto naqueles que lhes eram submetidos, e deixavam marcas psicológicas duradoiras. As matérias que dizem respeito ao caminho do cadafalso são por isso normalmente objecto de conjectura; não em relação ao que lá vai acontecer, mas em relação ao que passa pela cabeça daqueles a quem a pena de morte vai ser aplicada.
A convicção mais generalizada é que a caminho do cadafalso as pessoas sentem medo. Mas a convicção é o resultado das conjecturas de quem nunca esteve nessas circunstâncias. Calculamos, aqueles a quem a pena de morte nunca se aplicou, que teríamos medo se ela nos fosse aplicada. O medo vem do apego às coisas como estão, e ao nosso estado actual. Será porém a generalização desse apego razoável? Haverá razões para imaginar que aqueles que percorrem o caminho do cadafalso sentirão aquilo que nós, que nunca o percorremos, achamos que não podem deixar de sentir?
O indício mais fiável de que dispomos para reconstruir as emoções dos executados parece ser as suas últimas palavras. Mas não é seguro que as últimas palavras de um condenado tenham a ver com as suas emoções, ou permitam concluir que naquelas circunstâncias invulgares entretivessem certos sentimentos. A razão é que quem se dá ao trabalho de pronunciar palavras que sabe que serão as últimas (visto que todos nós pronunciaremos últimas palavras, embora quase sempre sem ter a certeza disso) se está a preocupar com quem as está a ouvir; e muitas vezes está também a tentar impressionar um pouco quem está por perto.
Não temos não obstante razão para imaginar que quem segue o caminho do cadafalso não esteja preocupado com o que lhe vai acontecer, e não sinta exactamente as emoções que, apesar da nossa falta de experiência, lhe imputamos. Durante quanto tempo, no entanto, sentirão essas emoções? Se admitirmos, a benefício de tese, que o caminho do cadafalso dura cinco minutos, serão esses cinco minutos ocupados exclusivamente a pensar na morte próxima? Em circunstâncias normais já temos dificuldade em concentrar-nos num mesmo pensamento durante mais de trinta segundos. Quando nos queixamos de que um pensamento nos ocupa constantemente, não estamos a considerar os intervalos em que pensamos noutras coisas, talvez porque não pensemos nesses intervalos como ocupações.
Não é assim de excluir que a caminho do cadafalso as pessoas se distraiam com toda a espécie de coisas. Os que estimam a sua eloquência usarão decerto o percurso para testar mentalmente possibilidades de últimas palavras, ou mesmo ensaiar a sua dicção, de modo a que quando chegar a altura tudo pareça mais natural. Mas não parece descabido pensar que mesmo eles tenham momentos de desatenção, e que nesses intervalos do medo e dos preparativos o tempo custe menos a passar.