Em tempos, numa reunião de direcção de empresa em que participava, surgiu uma discussão em torno de qual deveria ser o principal objectivo duma empresa. O mercado, dizia um. O lucro defendia outro. Até que, depois de a todos ouvir, sentenciou calmamente o director-geral: a continuidade. Ou seja, queremos estar num mercado tanto hoje como amanhã também, o que implica crescer em saudável equilíbrio na gestão das várias partes interessadas (clientes, fornecedores, pessoal, accionistas, vizinhos, etc.).
Veio-me isto à memória na noite eleitoral para o parlamento europeu do passado dia 9 face ao sobe e desce dos resultados dos principais partidos políticos ali concorrentes, das variadas vitórias depois por eles cantadas e dos múltiplos comentários organizados pelos media.
Os partidos são essenciais a uma democracia como a nossa, pois que constituem a sua base. Sem eles uma tal democracia não poderia (nem poderá) existir. O mesmo vale por dizer que a qualidade da nossa democracia resulta inerentemente da qualidade dos partidos que a sustentam. Partidos saudáveis dão saúde a uma democracia, assim como partidos em crise só podem conduzir a uma crise da democracia.
É o caso da que vem sendo gerada pela crise dos partidos tradicionais que, mesmo cantando vitórias várias, continuam a perder votos. Olhando apenas das legislativas de Março para as europeias de Junho tanto PS como AD perderam mais de meio milhão de votos e o PCP perdeu mais de quarenta mil votos. Ou seja, paulatinamente, lá vão seguindo o percurso do comatoso CDS.
Entretanto novos partidos vão surgindo para ocupar o espaço por eles deixado vago. Destes, gostaria de aqui me deter um pouco em particular na Iniciativa Liberal e no Chega. Isto por que ambos são partidos que surgiram há cerca de meia dúzia de anos, que a dicotomia esquerda/direita coloca do mesmo lado (embora outras dicotomias os tenha em total oposição, nomeadamente no pendor que dão ao individualismo vs o colectivismo) e, em particular, por que na última noite de europeias foram ambos ditos como disputando o terceiro lugar do pódio eleitoral, com ganho final de votos para o Chega, mas iguais no número de eurodeputados.
Embora ambos estes partidos tivessem ficado com resultados próximos (386 mil do Chega contra 358 mil da Iniciativa Liberal), face também às legislativas de Março os do Chega representaram um trambolhão superior a 780 mil votos e os da Iniciativa Liberal um ganho de perto de 40 mil votos. A IL foi mesmo o único partido a subir de votos perante estes dois actos eleitorais.
Todavia, logo muitos comentadores tudo atribuíram às virtudes/desvirtudes dos respectivos cabeça-de-lista. O do Chega, Tanger Corrêa, era muito fraco, ou mesmo o mais fraco e impreparado de todos, o da Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo, era forte, quiçá o mais forte e preparado de todos. Não deixando de concordar, mas, a assim ser, por que razão o Chega, com o fraco Tanger Corrêa, teve mais cerca de 28 mil votos que a Iniciativa Liberal, com o forte Cotrim de Figueiredo?
Mais, diversos analistas consideraram que tanto João Oliveira do PCP como Catarina Martins do BE foram candidatos muito superiores a Tanger Corrêa do Chega, quer em qualidade, quer em preparação. Não obstante, ambos esses partidos, não só obtiveram muito menos votos que o Chega como apenas elegeram um eurodeputado cada, contra os dois do Chega. Note-se, PCP e BE somados não alcançam o resultado do Chega. Nem o da Iniciativa Liberal.
Creio que a resposta está nos partidos, não apenas nos candidatos! O eleitor nunca deixa de votar no partido, independentemente dos candidatos, que muitas vezes até nem sabe quem são. Claro que nas eleições presidenciais pode haver efeito do candidato, como agora nas europeias pode ter sucedido com os cabeça-de-lista, mas, em primeira mão, o eleitor vota no partido. Melhor dizendo, vota nas ideias que os partidos corporizam.
O que na realidade faz todo o sentido, pois é o partido quem marca posicionamento, que define as linhas eleitorais, quem escolhe e dá apoio aos candidatos, quem organiza e financia a campanha, quem finalmente recebe os votos dos eleitores (ressalvados os das presidenciais). Daí a importância também das lideranças partidárias, que todas elas, com maior ou menor presença, sempre participam e lideram as campanhas eleitorais.
Considere-se ainda algo igualmente em comum nestes dois partidos quando olhamos às últimas presidenciais. Embora o Chega sempre focado na pessoalização do seu líder, enquanto a Iniciativa Liberal focada em mensagens e ideias, utilizaram as presidenciais para afirmação dos seus projectos políticos.
Por isso, para análise, no quadro que segue, à evolução dos resultados de Iniciativa Liberal e do Chega em eleições de expressão nacional acrescento o líder do partido à data da respectiva eleição (AR – legislativas; PR – presidenciais; PE – europeias).
O que em primeiro lugar ressalta destes números é, no caso da Iniciativa Liberal, a consistência do seu contínuo crescimento e, no caso do Chega, a total inconsistência no seu irregular saltitar. Note-se que em 2019-AR ambos tiveram idêntico ponto de partida (cerca de 67 mil votos) como agora, em 2024-PE, ambos têm próximos pontos de chegada (358 v. 386 mil votos). Mas ambos seguiram percursos bem diferentes.
Em segundo lugar também transparece daquele quadro que, em tais percursos, a evolução da Iniciativa Liberal manteve sempre aquele crescimento regular sob três lideranças distintas, ao passo que a evolução do Chega se manteve sempre turbulenta com uma mesma e contínua liderança. E esta é outra das grandes diferenças entre estes dois partidos. O Chega tem uma liderança basicamente unipessoal cujas linhas eleitorais, e respectivos resultados, ficam muito sujeitas aos humores e táticas de momento do seu líder, bem como aos decibéis que lhes consegue imprimir. Já a Iniciativa Liberal tem voz própria, cuja mensagem os seus líderes calmamente transmitem, posto que, naturalmente, com estilos pessoais distintos.
Desiludam-se, pois, os que comentam que, com a ida de Cotrim de Figueiredo para Bruxelas, a Iniciativa Liberal deixará de crescer. Desiludam-se também os que pensam que André Ventura irá acalmar e, com ele, o Chega também. Por isso que à Iniciativa Liberal auguro a continuidade do seu crescimento sustentável, o que já não poderei arriscar dizer do Chega.