Há 20 anos, o governo chinês quis saber como é que as suas universidades se portavam no contexto global. Se eram boas, se eram más, se eram mais ou menos. A verdade é que não havia nenhum sítio que lhes dissesse isso. As universidades eram classificadas mais por uma questão de imagem, do que por critérios concretos. Então mandou construir um ranking, hoje conhecido por ARWU (Academic Ranking of World Universities) ou, mais familiarmente, ranking de Shangai.
Para tal, juntou um conjunto de critérios, que julgou como valorizadores daquilo que eles achavam que a universidade devia ser, e avaliaram as universidades do mundo segundo esses critérios. Sem grande surpresa para eles, as universidades chinesas não ficaram particularmente bem colocadas, a melhor aparecia em 201. Só que, ao contrário do que possamos pensar, não veio daí um tiro na nuca de ninguém. A partir desse momento, sabiam onde estavam, onde queriam chegar e … mãos à obra.
A história assim contada parece não levantar grandes questões, mas o facto de não haver outro ranking popularizou o ranking de Shangai que passou a ter uma importância global. Ao contrário dos chineses, os franceses, que também apareciam mal cotados, tiveram uma atitude completamente diferente. Começaram a pôr em causa os critérios e o ranking dizendo, entre outros, que o ranking não levava em conta os “papers” escritos em francês (ninguém leva em conta os papers escritos em francês, nem os franceses…) e produziram um ranking alternativo em que, surpresa, as universidades francesas apareciam nos primeiros lugares.
A história do ranking de Shangai, mais que uma história de classificações gradativas de escolas ou de políticas educativas, é uma história de gestão. É uma história de como encaramos o trabalho para o sucesso e que vem assentar como uma luva na anual discussão dos rankings das escolas portuguesas. Quem são, na nossa história, os chineses, que veem o ranking como um auxiliar para melhorar e quem são os franceses, que veem nele uma ameaça ao seu conforto.
Concentrando-nos no caso português e na atitude francesa de questionar os critérios. São apenas notas, não têm em conta o aspeto socioeconómico envolvente que deveria corrigir as notas, a educação não se esgota nos exames; enfim, a cardinalidade do conjunto de objeções é tão grande como o número de pessoas que se sente ameaçada pela seriação. Note-se, no entanto, que a seriação é feita exatamente pelos critérios como nós entendemos o sucesso do aluno: avaliado nos exames com uma nota. Como é óbvio, a escola só existe por causa do aluno. Se nós pudéssemos chegar ao mesmo resultado sem ter de pagar edifícios, escolas e professores, metendo o aluno em casa no Youtube a ver aulas dos melhores professores do mundo, era isso que devíamos fazer. Mas isso não funciona, por isso temos de pagar edifícios, salas e professores.
Por outro lado, desculpar resultados com os aspetos socioeconómicos é a negação do fundamento do serviço público. Existe um serviço público de educação para que os alunos possam ser tratados por igual, independentemente das suas origens familiares e sociais. Justificar os resultados de uma escola pública porque os alunos são isto ou aquilo é negar a sua existência, é como avaliar uma escola de natação apenas pelos alunos que não se afogam. E depois há todo um conjunto de teorias da conspiração em torno das escolas privadas que, ainda por cima, são contrárias à própria natureza do negócio, pelo que nem vale a pena entrar por aí.
O ataque aos rankings por parte dos defensores da escola pública é uma coisa tão pouco inteligente que merece estas palavras. O que os rankings revelam não é a diferença das condições socioeconómicas, essas não precisam de rankings para nada. O que os rankings revelam é o desprezo pelas condicionantes que essas condições geram. Não revelam a superioridade das escolas privadas, revelam a inferioridade das escolas do estado (as privadas com acordos de associação saem bem classificadas). Na realidade, perante os rankings, a atitude das escolas privadas é a atitude de chinês, onde estamos e o que precisamos de fazer para sermos melhores. Porque se tivessem a atitude de francês, não estariam à frente dos rankings de certeza.
Os professores das escolas privadas foram formados nas mesmas escolas dos professores das escolas do estado, as salas das escolas privadas são feitas das mesmas paredes (às vezes piores) que as das escolas do estado e, pasme-se, as escolas privadas têm exatamente a mesma influência sobre o ambiente socioeconómico que as rodeia que as escolas do estado: nenhuma. Mas uns sabem que daquilo que não depende deles, não podem fazer nada, apenas têm de ser melhores amanhã do que foram hoje. Outros acham que aquilo que não depende deles serve de desculpa para não terem de ser melhores. Se os primeiros desaparecem se não melhorarem, os segundos continuam a desfilar avenida abaixo a gritar por injustiças.
Não é complicado perceber que algo de substancialmente diferente tem de ser feito nas escolas do estado em termos de gestão. Se, por razões ideológicas patetas (há outras?) é complicado privatizar, então passem a gestão da escola para as autarquias. Extinga-se o quadro nacional de professores que ninguém gere, criado por um computador com base em critérios que nada têm a ver com o sucesso dos alunos, e deixem cada uma das escolas ser melhor amanhã do que foi hoje, que cada uma olhe para os rankings da mesma forma que os chineses: hoje estamos aqui, amanhã queremos estar ali. Todas as escolas têm os seus problemas, mas o problema das escolas do estado é serem geridas por quem são.
Ah, os franceses acabaram por aceitar o ranking e proceder à fusão de universidades que vieram a ocupar o lugar que os franceses legitimamente aspiravam a ter.