Vale sempre mais tarde do que nunca. A Juventude Socialista percebeu agora que os jovens precisam de mudanças para ontem. Mas será que perceberam mesmo onde é que essas mudanças são precisas?
Fomos presenteados com uma candidatura que quer dar seguimento aos trabalhos do grupo dos jovens socialistas e deparamo-nos com um discurso de preocupação pela divisão de classes, ideológica e de género. É uma ótima estratégia: Criar divisões para construir uma mensagem assente no alarmismo das divisões. Assim é fácil.
Sei que são tempos que todos queremos esquecer, mas recordo os últimos oito anos de governação que tivemos. Um Governo que apontava o dedo a indefinidos e sinistros “grupos económicos”, que marginalizou opiniões opostas à sua agenda woke, que tapou os ouvidos e olhos aos que queriam produzir mais, que se aliou ao extremo para garantir a sua sobrevivência.
A JS faz rebater os sinos pela polarização ideológica; a solução, dizem, virá de uma faceta radical, com um discurso inflamado e centrado na afirmação intransigente e intolerante dos mais recentes “progressos” da extrema-esquerda internacional. Não é má estratégia para quem quer aparecer: mergulhar em polémicas inúteis e polemizar ainda mais o que ainda não o é, importando o que de mais exótico se discute lá fora. No entanto, a escolha da “luta” para destaque foi tão previsível como comodista – a vida, o mais importante direito que temos.
As nossas maternidades estão a fechar, há partos a acontecer em ambulâncias, urgências de obstetrícia a encerrar, e a grande bandeira para a Saúde materna que os socialistas têm é aumentar o período de 10 para 14 semanas que uma mulher tem para abortar. Isto não é uma solução. É uma chocante inversão de prioridades.
Podemos antes olhar para o porquê destas mulheres escolherem esta opção, e procurar diminuir as gravidezes indesejadas. Porque é que são as jovens mulheres entre os 20 e os 29 anos que totalizam 49% dos abortos? Porque é que 93% destas mulheres escolhem posteriormente um método contraceptivo?
Ao que parece, 10 semanas de gestação não é suficiente. Ao que parece 3 dias de reflexão é irrelevante para uma escolha tão importante. Ao que parece, médicos com objeção de consciência são um problema para o sistema. Ao que parece este é o “progresso” que a JS e o PS querem para o Serviço Nacional de Saúde. Sim, as falhas precisam de respostas urgentes, mas pensadas e preventivas.
Criar a guerra entre o “nós e o eles” e a supremacia do tema do aborto, independentemente dos seus moldes, até faz parecer que têm mais direito em participar da discussão, que podem acenar e mobilizar em torno de si, correr o país em jantares e tentar manter a pouca relevância que têm.
Só que não somos parvos. Não somos parvos nem caímos no progressismo fantasiado dos direitos humanos. Não aceitamos que nos tentem vender uma ideia em nome das mulheres, quando a falha está no sistema e no cuidado com estas mesmas mulheres. Não apoiamos a
leveza com que se aborda um tema ético e complexo como este. Não apoiamos que se coloquem as culpas na ideologia, em vez de na falta de investimento no setor da saúde. Depois que sejam dada todas as condições e segurança para que haja mais nascimentos e para que as mães e os recém-nascidos tenham acompanhamento devido, tragam os números e os problemas que este processo cria, pois suspeito que serão menores.
Não deixa de ser fantástica a irresponsabilidade com que se falam de medidas que impactam drasticamente a vida daqueles que já cá estão e que estão para nascer, não das medidas que importam verdadeiramente, porque essas são aborrecidas de preparar, exigem tempo e estudo. Não são tão fáceis de gritar num comício. Lançar este estandarte é bem mais conveniente. É tão fácil que se torna perigoso.
A “solução para os desafios estruturais” que pregavam a sete ventos estar a preparar, a “seriedade e responsabilidade” que diziam ser a marca do PS no Governo e na oposição (se o disser muitas vezes, passa a ser verdade) desapareceu. Voltaram os soundbytes, as polémicas fáceis, a luta pelos atestados de progressismo. Apresento-vos assim a candidata à liderança da JS. Uma mulher que olha para as dificuldades que todas as mulheres que querem ser mães passam atualmente para ter um filho em Portugal e acha que “É a Hora” de apostar na interrupção da gravidez.
É a Hora de ganharem algum sentido de humanidade e respeito pelas pessoas. Nós sabemos que é a hora – porque a hora, na verdade, já passou há muito tempo.