A Europa vive atualmente um dos seus períodos mais negros desde o fim da segunda grande guerra. A ofensiva russa na Ucrânia originou, como se esperava, um verdadeiro êxodo, sendo que, a esta data, já saíram do país mais de três milhões de pessoas. Com uma previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) de cinco milhões de refugiados (número que poderá aumentar), pergunto-me: está a Europa preparada para acolher estas pessoas dignamente? Vou mais longe. Está o nosso país preparado para cumprir com a sua parte?

Perante esta triste realidade, não posso deixar de recordar que, há cerca de um ano, Odemira era alvo de um dos períodos mais conturbados de sempre. A sua população migrante foi, durante semanas, alvo de escrutínio. As empresas que empregam esta comunidade foram também, e indiscriminadamente, esmiuçadas e, embora a grande maioria paute a sua atuação pela oferta de condições dignas de trabalho, respeitando elevados padrões éticos e de sustentabilidade ambiental, acabaram inevitavelmente manchadas por uma narrativa viciada, que se focava em alguns maus exemplos, que sabemos que existem e que nos esforçamos, diariamente, por combater.

Odemira não é um território perfeito. Nem tudo o que lá se passa é isento de crítica e é evidentemente passível de ser melhorado. É, no entanto, uma região do nosso país com uma enorme aptidão para criar riqueza e acolher bem quem nela se quiser instalar. O Sudoeste Alentejano foi escolhido por uma comunidade migrante por ter oportunidades de trabalho que estas pessoas não encontram nos seus países de origem, mas foi também escolhido por muitos portugueses, na sua maioria jovens, que optaram por deixar as suas terras para aqui se instalarem, trazendo consigo know-how e uma visão de futuro de que a região carece.

Há um ano, quando os meios de comunicação começaram a evidenciar problemas que muitos de nós já tínhamos identificado e procurávamos colmatar – como a falta de habitação digna, com rendas acessíveis, ou uma maior articulação em rede com o intuito de evitar situações de aproveitamento de intermediários nos processos de contratação –, foram tidas muitas conversas para a resolução destes problemas e, no fim, foi inclusive assinado um memorando de entendimento com o Ministério da Agricultura. A urgência na resolução desta situação obrigava a soluções eficazes.

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É certo que a burocracia, que persiste em atrasar o desenvolvimento do nosso país, fez com que um processo que se pretendia célere demorasse muito mais tempo do que a exigência do momento justificava. No entanto, a persistência de muitos empresários, apoiados por estruturas associativas existentes, por empresas de consultoria com experiência nestas matérias e com um inegável suporte do Ministério da Agricultura e da Câmara Municipal de Odemira, conseguiram o que em alguns momentos chegou a parecer impossível.

Temos hoje, em vias de implementação, projetos de alojamento temporário nas quintas para trabalhadores sazonais que resolverão o problema habitacional de dois mil trabalhadores. Prevê-se que, numa segunda fase, mais de mil venham a ter acesso a estruturas dotadas de todo o conforto.

Embora a imagem que continua a passar seja a de um território pobre, com uma população laboral explorada, coberto de estufas e prisioneiro de uma monocultura dos frutos vermelhos, a realidade teima em contrariar essa visão. As empresas do Perímetro de Rega do Mira – no Sudoeste Alentejano – contribuíram uma vez mais, no ano que passou, com cerca de 15% das exportações de frutas, legumes e flores produzidos em Portugal. Os túneis ou estufas ocupam um terço da área que legalmente lhes seria permitido ocupar, não chegando a 13% da área do perímetro de rega e a 1,5% do Parque Natural.

Há, no entanto, ainda muito por fazer. A questão da habitação só estará solucionada quando os núcleos populacionais aumentarem a oferta de habitação permanente e as instalações de alojamento coletivo urbano possam surgir, dotadas de enquadramento legislativo de suporte. As estruturas educativas, de saúde e dos restantes serviços públicos são ainda manifestamente insuficientes perante o saudável aumento da população, único em Portugal, a que o município assistiu. A água, bem essencial e por definição escasso, tem de merecer a atenção e os investimentos que lhe têm sido negados: de reparação de uma estrutura de armazenamento com mais de 50 anos, com processos de licenciamento ágeis, assim como investimentos em novas fontes de captação. A dessalinização, o aproveitamento das águas residuais e transvases têm obrigatoriamente, e no mínimo, de ser estudados.

O setor da Agricultura mantém-se como um dos que oferece um potencial de crescimento mais rápido e substantivo não só nesta região mas também no país em geral. A guerra na Ucrânia, com que comecei este texto, tornou ainda mais evidente a importância do aumento da nossa autonomia alimentar e o potencial de exportação ainda por explorar. Quanto à mão de obra, de que tanto necessitamos para que esse potencial seja concretizado, é necessário olhar para os problemas destas comunidades e para as suas necessidades de integração.

A uma migração não especializada junta-se, agora, previsivelmente, uma nova onda de migrantes altamente qualificados. A todos temos de saber acolher condignamente. De todos necessitamos e todos necessitam de nós. O recente protocolo e trabalho conjunto da AHSA com a Organização Internacional das Migrações para a Promoção de uma boa gestão da Migração Laboral para Portugal não podia ter surgido em momento mais adequado. Mostraremos ao mundo, e a alguns persistentes delatores da nossa região, como são injustos na generalização negativa e no carimbo que querem associar a Odemira.