A discussão sobre ações que valorizam o interior do país não é nova, mas foi mais uma vez mediatizada pela questão da localização do novo aeroporto de Lisboa. Afinal, o novo aeroporto será na área metropolitana de Lisboa ou em outro lugar no interior, onde, por coincidência, já existe um aeroporto?
A desconsideração pelo interior tem a sua maior prova na eterna discussão sobre a regionalização. Existe desprezo da classe governante por todo o país, menos pela faixa litoral que vai de Lisboa ao Porto. De facto, o primeiro referendo sobre a regionalização em Portugal aconteceu em 1998. A nível europeu, foi criado pela primeira vez o Fundo de Coesão e a respectiva política regional no Tratado de Maastricht, em 1993. A própria Constituição da República Portuguesa prevê, desde 1976, a regionalização, ou seja, a descentralização de competências e os órgãos diretamente eleitos pelas populações, a nível de freguesias, municípios e regiões. Pode não parecer, mas estamos a falar de uma discussão com quase 50 anos no nosso país e um tema que está nos pilares da própria construção da União Europeia.
A verdadeira questão é saber o porquê da regionalização ser tão importante para revitalizar o interior e, numa segunda dimensão, perceber porque é que medidas como tornar o aeroporto de Beja como alternativa ao aeroporto do Montijo são imprescindíveis para o alívio das assimetrias territoriais em Portugal.
Comecemos por dar uma olhada na comparação do litoral vs interior ou urbano vs rural. Cerca de 60% da população reside na faixa litoral portuguesa e cerca de 45% do total da população está nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, com 2,8 milhões e 1,8 milhões de habitantes respetivamente. Não é uma realidade normal no contexto europeu, pelo menos de acordo com os nossos parceiros europeus mais próximos, como Espanha, onde apenas 27% das pessoas vivem em Madrid e Barcelona, ou França, que tem uma população aproximada de 69 milhões de pessoas e onde apenas 16 milhões de pessoas vivem nas áreas metropolitanas de Paris e Marselha, as suas duas maiores cidades. Itália, outro vizinho do sul europeu, consideravelmente maior que Portugal, com 60 milhões de pessoas, conta apenas com 9 milhões de pessoas nas suas duas maiores cidades, Roma e Milão. Em Portugal, a densidade populacional das áreas urbanas é 19 vezes superior à verificada nas áreas rurais. Mas não é apenas a demografia que preocupa. Infelizmente, também é a economia e o acesso a serviços básicos. 83% da riqueza é produzida na faixa litoral, sendo que quase todas as regiões estão abaixo da riqueza média per capita da União Europeia, tirando, por exemplo, a área metropolitana de Lisboa. Em termos de serviços básicos, continua a debandada de infraestrutura crítica, tanto pública como privada, aliada à falta crónica de investimento. Balcões de bancos e correios fecham, centros de saúde têm dificuldades na atração de médicos e profissionais de saúde pela pouca atratividade que essas regiões têm, que advém de problemas como a falta de infraestruturas. Uma bola de neve que se alimenta a si própria.
Este problema tem o seu próprio contexto histórico, muito longo, o que dificulta a solução, tornando-a mesmo impossível em caso de desinteresse político (que é o caso). A conveniente barreira natural que se criou entre Portugal e Castela, advinda da falta de população, de infraestruturas e de oportunidades (exatamente os mesmos problemas que hoje persistem), seguido do foco estratégico nos Descobrimentos por via marítima (importância do litoral) e, finalmente, pelos acontecimentos do século XX, como o aumento de competitividade, a globalização e a pressão competitiva sobre as empresas que se deslocaram para o litoral, onde se encontravam todas as condições e todos os investimentos vindos da EFTA e da CEE/EU, que até aos anos 90 deram primazia ao investimento público, à criação de emprego e serviços no litoral. É um monstro que se alimenta a si prórpio. Com a população centrada nestas regiões, a classe política apenas tem interesse em direcionar os seus esforços para onde há votantes. Há que ganhar eleições e estas não se ganham no interior, pois ,ao contrário dos Estados Unidos da América, a geografia não conta no nosso sistema eleitoral.
O discurso político atual continua preso à mesma dualidade e hipocrisia dos últimos anos. Promete o desenvolvimento do interior, enquanto decide verdadeiramente e mais uma vez pelo litoral. O Primeiro-Ministro António Costa voltou a adiar a discussão da regionalização para um (hipotético) próximo mandato, descartando também um novo referendo. Ao mesmo tempo, o próprio António Costa e o seu partido são a favor da regionalização. Porque está há 5 anos no poder e ainda nada fez? Pela mesma razão de quase todos os outros governantes.
Que poderia a regionalização fazer pelo nosso interior desolado? Existem vários benefícios, sobretudo em três áreas essenciais: democracia, economia e infraestruturas. O reforço da democracia parece algo essencial nos dias que correm, onde a abstenção se tornou maioritária. A proximidade da política com as populações locais e regionais, o aumento do poder das instituições públicas de cada região e a criação de novos órgãos, dotados de real poder para combater os reais problemas de cada local trazem muito mais interesse para as eleições. Criam um verdadeiro conhecimento dos políticos relativamente ao seu eleitorado e do eleitorado relativamente aos políticos. A descentralização de poderes, aliada à proximidade, é sem dúvida uma das soluções para combater o nível atual de abstenção.
A regionalização irá possibilitar às novas entidades os instrumentos em matéria económica para melhor atrair investimento e fomentar emprego. Trocar a subsidariedade do governo central pela capacidade de gestão, planeamento e aplicação de instrumentos das próprias entidades locais é uma antecipação do fortalecimento e a estimulação das verdadeiras potencialidades dos territórios. O tempo de ação também diminuirá com a descentralização e, principalmente, a desburocratização do Estado.
Por ultimo, o investimento em infraestruturas e serviços públicos, coordenados diretamente por autarquias e órgãos regionais. Os serviços públicos deixam de ter as perdas de eficácia e prejuízos para os cidadãos que solicitam esses serviços. As infraestruturas são administradas localmente, sendo que novas serão adicionadas pelo conhecimento das necessidades da população local e pela nova possibilidade de aplicação de meios directos.
Os benefícios são muitos, mas como em quase todas as boas políticas públicas, os resultados são demorados, sendo que a duração dos mandatos dos governantes é muito limitada. A discussão do novo aeroporto de Lisboa está, em muito, ligada a esse cinismo político. A troca da valorização do interior, neste caso Beja, pela contínua bajulação dos votantes da capital, que são muito mais numerosos, é apenas mais um episódio entre outros que já aconteceram nesta matéria. De facto, Beja tem um aeroporto, mas está muito longe dizem alguns. Se está longe, deveríamos aproximar mais os dois pontos, nomeadamente com ligações de ferrovia dignas do séc. XXI. Melhorar a nossa ferrovia é outro dos projetos adiados do país. Aliás, continuamos a limitar as ligações da ferrovia do interior, extinguindo linhas ano após ano. Se olharmos para os nossos parceiros europeus, muitos são os aeroportos que se encontram longe da sua cidade. O Frankfurt Hahn está a 126 km de Frankfurt, o Oslo-Torp a 118 km de Oslo, o Munique West a 113 km de Munique, o Skavsta a 108 km de Estocolmo, o Barcelona-Girona a 98km de Barcelona, o Lubeck-Hamburg a 78km de Hamburgo, o London Southend a 67km de Londres… Poderia continuar, sendo que as distâncias podem ficar ainda maiores noutros continentes de dimensões gigantescas, comparadas com o nosso continente mais pequeno. A diferença são as respectivas ligações modernas, que diminuem o tempo de viagem e aproximam as diferentes regiões dos países.
Confrontado com estes fatores e a possibilidade de modernizar uma região muito extensa do nosso território com boas vias de comunicação, os sucessivos governos insistem numa solução na saturada área metropolitana de Lisboa, juntando, ainda, todos os problemas de cariz ambiental, fator cada vez mais importante nos tempos que correm. Preferem atrair investimento onde já existe investimento, ao invés de atrair investimento para onde não existe. Um renovado aeroporto e uma região muito mais ligada à capital iria atrair muitíssimas empresas, não apenas do sector aeronáutico, turismo e transportes, mas também de todos os serviços que se movem à volta destas indústrias e outras. Seria uma excelente oportunidade para inverter os números da migração e do êxodo para centros urbanos.
Parece tudo pouco natural ao leitor e também a mim. Mas infelizmente, é do mais natural que existe na nossa triste classe governativa, onde ganhar eleições é muito mais importante do que o bem-estar dos seus cidadãos.