É mais do que sabido que Portugal enfrenta um dos mais desafiadores cenários demográficos no contexto europeu, com um triângulo que deve, na minha perspetiva, ser um dos eixos fundamentais de uma estratégia para o país, durante os próximos anos. Refiro-me ao triângulo envelhecimento da população – emigração jovem – tendência de diminuição das taxas de natalidade.
Segundo dados mais recentes do INE de janeiro de 2024, o país continua a enfrentar um envelhecimento populacional crítico, com um índice de envelhecimento que agora ultrapassa os 198 idosos por cada 100 jovens. Por outro lado, a emigração jovem continua a ser um desafio estrutural para Portugal. De acordo com o Relatório de Emigração do Observatório da Emigração, entre 2020 e 2023, cerca de 70.000 jovens portugueses, com idade entre 25 e os 34 anos, deixaram o país, anualmente, em busca de oportunidades profissionais. Se juntarmos a isto, o efeito de taxas de natalidade baixas – muito embora se tenha verificado, ainda segundo o INE, um ligeiro aumento de 2,3% na taxa de natalidade em 2023, em comparação com 2022 -, temos, de facto, um desafio que, no médio e longo prazo, pode ser uma ameaça importante para o desenvolvimento económico do país, com todas as consequências inerentes na qualidade de vida da população.
O que fazer diante desta realidade? Muitas abordagens parcelares, e relativas a desafios concretos que estão na base destes fenómenos, oriundas de diferentes agentes económicos, devem ser adotadas, de modo colaborativo e integrado, uma vez que este é um problema sistémico. Mas gostaria de me concentrar num ponto específico que julgo ser fundamental e urgente – a necessidade de criar um verdadeiro ecossistema de empreendedorismo intergeracional.
O empreendedorismo intergeracional resume-se, no essencial, a uma abordagem colaborativa que aproveite as qualidades e capacidades de gerações com maior senioridade, complementando-as com as das gerações mais jovens, estreitando, deste modo, o chamado gap geracional. As características e a mentalidade empreendedoras, serão cada vez mais necessárias, nos novos modelos de trabalho, mais móveis, ágeis, e dominados por uma maior preponderância da tecnologia em muitas das profissões, que hoje existem. Por outro lado, está também demonstrado que os projetos de empreendedorismo com maior sucesso, são lançados por empreendedores seniores, muito devido à curva de experiência, que lhes permite uma maior solidez no desenho das soluções, bem como redes de contactos mais sólidas, e uma grande capacidade de mobilização de recursos. Mas a maior proficiência das gerações mais jovens, nos chamados novos skills, nomeadamente nas áreas tecnológicas, mas também a sua natural inclinação para a inovação, e para a disrupção, são elementos que tornam a criação deste ecossistema, não apenas um mero exercício de inclusão, mas antes uma estratégia de desenvolvimento económico, que pode revitalizar o tecido empresarial português.
Como criar este ecossistema? Precisamos de vários ingredientes. Deixo aqui algumas ideias.
Todo o ecossistema necessita de capacidade e vontade de investimento, e a criação de incentivos financeiros, que tornem viável, e apetecível, a aposta neste tipo de formato, quer ao nível das empresas, quer ao nível dos indivíduos. Nesse sentido, seria importante desenvolver linhas de crédito, e de investimento, que se focassem neste tipo de modelos intergeracionais.
Estas linhas pressupõem, naturalmente, que haja vontade política, e um desenho eficaz de políticas públicas, criando-se, por exemplo, um quadro de incentivos ficais a organizações que apostem nestes formatos. Existem exemplos de referência, como o governo holandês, que criou uma série de medidas, e que incluem, além dos incentivos fiscais, a consideração dos riscos inerentes ao empreendedorismo no sistema de segurança social, ou barreiras reduzidas para a criação de negócios seniores. Apenas como curiosidade, entre 2018 e 2023, este país registou num aumento impressionante de 108% nas iniciativas de empreendedorismo, na faixa etária entre os 65 e os 79 anos.
O desenvolvimento de formatos cruzados de formação, que apostem na transferência de conhecimento, e experiências, entre gerações diversas, é também fundamental para que haja um crescimento e diversificação de competências, crucial para aumentar a produtividade e autonomia de todos.
A criação de programas de mentoria, mas, mais do que isso, de criação de processos de matchmaking eficazes, de empreendedores seniores, com empreendedores jovens, com o intuito de criar negócios concretos, é também uma das formas de gerar incentivos e oportunidades, sendo que, neste aspeto em particular, o setor privado pode levar a dianteira, com formatos mais inovadores, por exemplo de incubadoras, aceleradoras, ou até simples espaços de coworking, que privilegiem este tipo de projetos, proporcionando plataformas, físicas e digitais, que possam funcionar como fatores exponenciadores.
Existe, no entanto, uma condição prévia para que se possa desenvolver, como um ecossistema, todo o potencial da intergeracionalidade – a mudança cultural, de mentalidades, que elimine os estigmas que existem, em ambos os extremos geracionais. Na realidade, existe não apenas uma cultura de se valorizar o novo e o jovem, como também, em doses variáveis, conforme o contexto, um olhar da juventude sobre o envelhecimento, e dos mais seniores sobre os mais jovens, que é necessário harmonizar. Como todas as mudanças culturais, esta também demora tempo e implica que um conjunto significativo de vontades, em diversas frentes, se alinhe. Enquanto permanecer o jargão que associa o velho ao “ultrapassado”, ou o jovem e novo ao “inexperiente” e “imaturo”, todos os esforços ganham um nível de resistência que pode inviabilizar o crescimento, e prosperidade, daquela que considero ser uma das grandes oportunidades económicas, nos próximos anos. Que ganha ainda mais força, por ser, no meu entender, uma necessidade premente.
A chave está na compreensão de que cada geração não compete, mas complementa. No ecossistema intergeracional ideal, a experiência dialoga com a inovação, criando soluções mais ricas, resilientes e adaptadas aos desafios contemporâneos.
E Portugal, como acredito que acontece em diversas áreas, tem todos os ingredientes para ser um laboratório europeu de excelência em empreendedorismo intergeracional. Basta acreditar, investir e agir.